quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Se eu fosse Sylvia P."

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A frágil relevância das coincidências



Lionel Fischer



"A ruptura real de um casamento foi a motivação para a criação do espetáculo, idealizado pela atriz e dramaturga Alessandra Gelio. Há quatro anos, depois de assistir ao filme Sylvia - paixão além das palavras, Gelio começou a pesquisar o universo da poeta Sylvia Plath (1932-1963) e descobriu várias semelhanças entre momentos marcantes de sua vida pessoal e da escritora norte-americana. A montagem é uma experiência cênica poética que transita entre a realidade e a ficção. O tom confessional que marca a obra literária de Plath conduz a dramaturgia criando uma atmosfera intimista. Temas como amor, solidão, relações familiares, vida e morte perpassam a apresentação". 

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima define as premissas essenciais que deram origem a "Se eu fosse Sylvia P.", em cartaz no Teatro Cândido Mendes. Alessandra Gelio responde pela idealização do projeto e pela dramaturgia, também assinando a direção com Cyntia Reis. No elenco, Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane.

Antes de entrar no mérito do presente espetáculo, e pensando basicamente nos espectadores que não leram Plath, gostaria de salientar que a poeta, contista e romancista norte-americana é reconhecida principalmente por sua obra poética, com destaque para "Ariel" (obra póstuma) e "Poemas". A autora também escreveu o romance "A redoma de vidro", de cunho autobiográfico, no qual aborda, dentre outros temas, sua luta contra a depressão. Plath suicidou-se em Londres - tomou uma grande quantidade de narcóticos e enfiou a cabeça dentro do forno.

Com relação a Sylvia Plath, imagino que ela pudesse padecer de algo que defino como a dor de existir, um estado imune a todos os tratamentos, posto que nada tem a ver com angústias definidas ou mazelas advindas dos clássicos conflitos que todos temos que enfrentar. É algo ligado a um permanente desconforto, a uma sensação de que nada pode ser suficiente, que coisa alguma é capaz de preencher o vazio que o tempo só faz esgarçar. Na peça "Caligula", de Albert Camus, o imperador enlouquece porque não pode ter a lua, ou seja, o impossível. Não sei que luas Sylvia Plath desejaria possuir, mas certamente não lhe foram acessíveis.

Entrando agora - e finalmente - no projeto que é alvo desta análise, devo confessar que uma dúvida me assaltou. E ela diz respeito ao explicitado no parágrafo inicial: "Gelio descobriu várias semelhanças entre momentos marcantes de sua vida pessoal e da escritora norte-americana". Pois bem: seriam de fato relevantes tais descobertas? Ou elas deveriam ser encaradas no máximo como curiosas coincidências? Ao que tudo indica, Alessandra Gelio levou a sério as ditas coincidências, posto que escreveu o texto baseando-se nelas. E aqui reside o principal problema da peça.

Se tivesse optado por escrever uma obra baseada unicamente na vida de Sylvia Plath, a autora talvez chegasse a um ótimo resultado. O mesmo poderia ter ocorrido se sua opção fosse a de escrever sobre si mesma, já que sua história não carece de dramaticidade - tentativa de suicídio, a morte precoce do pai etc. No entanto, ao alternar permanentemente a narrativa entre a história de Plath e a sua, o indispensável aprofundamento sobre as trajetórias das duas personalidades acaba não se materializando. Ainda assim, seria injusto não mencionar a força de alguns diálogos e sua carga poética, cabendo também registrar a coragem de Alessandra Gelio de expor sem rodeios momentos marcantes de sua história pessoal. 

Com relação ao espetáculo, este alterna passagens interessantes e outras bem menos. As interessantes ocorrem, quase sempre, quando o elenco encarna personagens envolvidos em viscerais embates; mas sempre que o foco recai para o tom confessional, com os atores se relacionando diretamente com a plateia, aí se dá um grande esvaziamento, uma espécie de conforto que, a meu ver, um espetáculo desta natureza não deveria proporcionar. E essa alternância de interesse também marca a performance do elenco, bem mais eficaz quando Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane não estão falando de si mesmos e sim representando.   

Na equipe técnica, Elsa Romero assina uma cenografia um tanto misteriosa. De gavetões que sugerem arquivos de abandonadas repartições públicas são retirados arbitrariamente alguns objetos; no teto, potinhos com líquidos de variadas cores estão pendurados, sem que se saiba por que; finalmente, temos um aquário colocado em cima dos ditos gavetões, sendo tal objeto efetivamente importante para o espetáculo. Rosa Ebee e Tiago Ribeiro respondem por figurinos em sintonia com as personalidades retratadas. Renato Machado ilumina a cena com a competência habitual, ainda que lançando mão de um número excessivo de efeitos. Quanto ao vídeo de Sandro Arieta, me parece que o mesmo não foi utilizado. E no que se refere à colaboração artística de Helena Varvaqui, não sei em que medida ela se deu, posto que não especificada. Finalmente, o guitarrista Fellipe Mesquita exibe competência e sensibilidade.

SE EU FOSSE SYLVIA P. - dramaturgia de Alessandra Gelio. Direção de Gelio e Cyntia Reis. Com Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane. Teatro Cândido Mendes. Terça a quinta, 20h.


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