segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Love, Love, Love"

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Inesquecível e deslumbrante encontro

Lionel Fischer



"A ação começa em 1967, na noite da primeira transmissão ao vivo de TV via satélite, em que os Beatles cantaram Al you nedd is love. Sandra, bonita e sedutora, recém-ingressada na universidade, marcou um encontro com Henry. Mas ela se interessa por seu irmão, Kenneth, também de 19 anos e calouro universitário. Em 1990, eles estão em outra realidade - são da classe média, curiosamente negligentes com os dois filhos, em um casamento prestes a ruir. Mas o grande momento ocorre em 2011, em uma reunião de família, quando a filha do casal, Rose, que foi uma violinista promissora, agora com 37 anos e muito decepcionada, arremessa sobre eles e sua geração de paz e amor a responsabilidade pelo fracasso da geração dela".

Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Silvana Cardoso, o trecho acima resume o enredo de "Love, love, love", de autoria do dramaturgo inglês Mike Barlett. Mais nova empreitada do Grupo 3 de Teatro, o texto chega à cena (Oi Futuro Flamengo) com direção de Eric Lenate e elenco formado por Débora Falabella, Yara de Novaes, Ary França, Rafael Primot e Mateus Monteiro.

Se alguma restrição pode ser feita ao texto de Barlett, esta se resume ao seu início, quando me parece que o autor consome um tempo excessivo para definir a personalidade dos irmãos e o contexto em que vivem. Afora isso, não hesito em afirmar que o jovem autor inglês (apenas 36 anos) já se insere entre os maiores de sua geração, e não apenas da Inglaterra.

Afora ter criado personagens maravilhosos, ótimos diálogos e uma ação que prende a atenção do espectador ao longo de toda a narrativa, o autor trabalha de forma irrepreensível dois temas principais: o quanto o tempo em que vivemos é capaz de nos modificar e a poderosa influência (para o bem ou para o mal) de uma geração sobre a seguinte. 

No primeiro caso, se alguém não se enquadra nos padrões vigentes, mas ainda assim julga mais prudente não contestá-los, corre sério risco de perseguir uma felicidade ilusória, posto que contrária aos seus anseios mais profundos. No segundo, de certa maneira ocorre algo parecido: não podemos escapar da educação que recebemos, dos valores que nos foram transmitidos por nossos pais, educadores, etc. Mas aceitar tais valores, de forma incondicional, significa reproduzir um modelo, e como todos sabemos não há modelo que sobreviva às constantes mudanças sociais, políticas, econômicas e assim por diante.  

Neste sentido, acredito que o autor propõe uma espécie de impasse: se o tempo presente tende a nos modificar, o tempo passado prioriza o inverso. Se por um lado não queremos pensar e agir necessariamente como nossos pais, como fazer para tirá-los de dentro de nós? E que preço temos que pagar por esta indispensável e salutar libertação? - se o que acabo de dizer não tenha passado pela cabeça do autor, em minha modesta defesa posso dizer que trata-se apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos.

Quanto ao espetáculo, Eric Lenate impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Em todos os segmentos, o encenador produz marcas criativas e imprevistas, potencializa ao máximo os embates entre personalidades tão díspares, evidencia notável domínio dos tempos rítmicos e, mérito supremo, consegue extrair do elenco atuações deslumbrantes.

Mateus Monteiro, ainda que em participação bem menor que a dos demais, materializa de forma irretocável o irmão careta e totalmente destituído de interesse. Rafael Primot está hilariante na pele do irmão descolado, mais adiante comovente quando encarna uma criança problemática e finalmente patético quando esta mesma criança se torna um adulto totalmente desajustado. Ary França, que nos dois últimos segmentos encarna o hilário irmão do início, aproveita ao máximo as transformações que ocorrem - na primeira delas, estamos diante de um homem cínico e debochado; na segunda, nos deparamos com um homem envelhecido que, mesmo que conservando um pouco do humor de sua juventude, exibe para com a filha uma dureza que se torna asquerosa pela forma plácida com que é materializada.

Com relação a Débora Falabella e Yara de Novaes, se optasse por adjetivos teria que recorrer a uma infinidade deles. Se, por outro lado, investisse em uma avaliação de natureza técnica - analisar suas vozes, expressividade corporal, carisma, presença cênica etc. - me sentiria ridículo, posto que tais predicados já são mais do que conhecidos e reconhecidos. Então, o que posso dizer a respeito dessas duas atrizes? Sem nenhuma relutância, acredito que ambas estão sempre rodeadas pelos caprichosos deuses do teatro, que talvez colaborem modestamente para que priorizem caminhos nunca antes percorridos, o que as impede de se tornarem parasitas de suas próprias conquistas. A ambas agradeço, de todo coração, mais este inesquecível encontro. 

No tocante à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Maria Angela Fontes Frederico (tradução), Gabriel Fontes Paiva (iluminação), L. P. Daniel (trilha sonora), André Cortez (cenografia) e Fabio Namatame (figurinos).

LOVE, LOVE, LOVE - Texto de Mike Barlett. Direção de Eric Lenate. Com Débora Falabella, Yara de Novaes, Ary França, Rafael Primot e Mateus Monteiro. Oi Futuro Flamengo. Quinta a domingo, 20h.









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