segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Teatro/CRÍTICA

"Os Realistas"

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Ótima montagem de texto enigmático



Lionel Fischer



"Em cena, dois casais de vizinhos se encontram e descobrem ter mais em comum do que as casas idênticas e sobrenomes iguais. Com este ponto de partida, a peça flagra a convivência do quarteto e os relacionamentos que começam a se entrelaçar. Em um hábil jogo de cena, o autor mostra também que nem tudo é o que parece ser, fazendo ainda que as situações reflitam sobre os diferentes estágios do casamento".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o contexto e o enredo de "Os Realistas", do norte-americano Will Eno. Em cartaz no Teatro Poeira, a montagem leva a assinatura de Guilherme Weber, também responsável pela adaptação. No elenco, Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima.

Não sei exatamente o que o autor pretendeu com este texto. Vamos, então, a algumas conjecturas. Na cena inicial, vemos o casal Julia (Mariana Lima) e João (Fernando Eiras) no quintal de sua casa. A noite é belíssima, dessas que só nos acontecem quando somos jovens, como disse Dostoiévski em "Noites Brancas". O diálogo entre ambos praticamente inexiste - as poucas frases proferidas não se completam, os pensamentos são sempre inconclusos etc. Então chegam Pônei (Debora Bloch) e José (Emílio de Mello), que falam muito e sempre em um tom exuberante. E logo percebemos que José nutre sôfrega paixão por piadas e frases de duplo sentido, enquanto Pônei parece inteiramente convencida de que as coisas tanto podem ser o que sugerem como não. 

A partir daí, alguns fatos acontecem, sem dúvida, e acabamos conhecendo um pouco mais sobre os personagens - mas muito pouco, que fique bem claro. Mas tal conhecimento se dá de forma invariavelmente truncada, não raro penosa, como se o autor fizesse absoluta questão de jamais ser minimamente claro, evidenciando, ao menos neste texto, uma desvairada paixão por enigmas. Em contrapartida, é forçoso admitir que a plateia ri muito de algumas piadas ou de colocações completamente carentes de sentido. E assim transcorrem duas horas...

E aqui torna-se imperiosa uma breve reflexão. Por que será que, diante de um material dramatúrgico cuja pretensão é infinitamente superior à sua eficácia, ainda assim os espectadores se mantém razoavelmente atentos? A resposta é simples: graças ao maravilhoso elenco. Em caso de dúvida, é só alguém se dar ao trabalho de imaginar este texto sendo representado por atores medianos ou apenas bons. Será que a plateia se manteria razoavelmente atenta? Não hesito em afirmar que não, o que só reforça minha convicção de que Mariana Lima, Debora Bloch, Fernando Eiras e Emílio de Mello são intérpretes de exceção. 

Com relação à encenação, Guilherme Weber realiza um excelente trabalho, tanto no que concerne à originalidade e expressividade das marcações quanto ao seu domínio dos tempos rítmicos. E a mesma excelência se faz presente nas contribuições de Ursula de Almeida Rego Migon e Erica de Almeida Rego Migon (tradução), Daniela Thomas e Camila Schmidt (cenografia), Ticiana Passos (Figurinos) e Beto Bruel (iluminação).

OS REALISTAS - Texto de Will Eno. Direção de Guilherme Weber. Com Mariana Lima, Debora Bloch, Fernando Eiras e Emílio de Mello. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.




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