segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Teatro/CRÍTICA

"Depois do Amor - Um encontro com Marilyn Monroe"

....................................................
A mulher por trás do mito



Lionel Fischer


Em 1962, durante as filmagens de Something's got to give, Marilyn Monroe recebe em sua casa a assistente de figurino Margot Taylor, que lhe traz alguns vestidos para serem provados. Ambas se conheceram dez anos antes e tornaram-se amigas, até o momento em que Marilyn roubou o namorado de Margot, o jogador de baseball Joe DiMaggio, com quem ficaria casada nove meses. Em meio às provas de roupas, o passado acaba vindo à tona e ambas promovem um acerto de contas.

Eis, em resumo, o enredo de "Depois do Amor - Um encontro com Marilyn Monroe", em cartaz no Teatro Vannucci. Fernando Duarte assina o texto e Marília Pêra a direção, seu último trabalho no teatro. Em cena, Danielle Winits (Marilyn) e Maria Eduarda de Carvalho (Margot).

Mesclando realidade e ficção, o texto oferece um retrato sensível e pertinente da mulher por trás do mito, explicitando todas as carências e fragilidades de Marilyn, que provavelmente a levavam a conquistar todos os homens à sua volta, tamanha era sua ânsia de ser amada e respeitada. Cumpre também ressaltar o bom trabalho dramatúrgico feito por Fernando Duarte no que diz respeito à personalidade de Margot, cuja eventual ironia é quase sempre anulada por dolorosa mágoa. 

Com relação ao espetáculo, Marília Pêra impôs à cena uma dinâmica elegante e sóbria, priorizando ao máximo os conteúdos implícitos. Estes, por sinal, materializados de forma irretocável pelas atrizes. Na pele de Marilyn, Danielle Winits evidencia sua clara disposição de não copiar o que se conhece do esteriótipo da mais sensual atriz da história do cinema, mergulhando de forma visceral nos meandros de uma personalidade ao mesmo tempo divertida e atormentada. Sem dúvida, uma de suas mais sólidas performances no teatro. A mesma eficiência se faz presente na atuação de Maria Eduarda de Carvalho (uma das melhores intérpretes de sua geração), convincente tanto nas passagens mais irônicas quanto naquelas em que a amargura predomina. 

Na equipe técnica, Sônia Soares assina figurinos belíssimos, a mesma beleza presente na cenografia de Natália Lima. Vilmar Olos e Paula Leal respondem, respectivamente, por corretas iluminação e trilha sonora. 

DEPOIS DO AMOR - UM ENCONTRO COM MARILYN MONROE - Texto de Fernando Duarte. Direção de Marília Pêra. Com Danielle Winits e Maria Eduarda de Carvalho. Teatro Vannucci. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h30.




sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Teatro/CRÍTICA

"Estudo para Missa para Clarice - Um espetáculo sobre o homem e seu Deus"

.......................................................................
Belo e visceral encontro com a dúvida



Lionel Fischer



"Sei que o mundo não vai mudar por minha causa, nem por causa do meu Teatro, mas prefiro acreditar que sim. Vivo melhor assim. Os artistas que conheço, todos, têm uma chama visceral de dizer algo a alguém. Um desejo ingênuo de perpetuar. Para que vivemos? Onde estamos? Para onde vamos?. Desde Sófocles, o Teatro existe para comungar essas dúvidas. Assim o entendo. 'Missa para Clarice' é uma celebração do Sim. Um projeto que nasce do impulso e da necessidade. Puro afeto. Pelo Teatro, pela Clarice, por mim, pela investigação, pelo gosto bom. Nasce da necessidade de se reinventar a profissão. De gritar pro mundo. O grito de Munch. De sobreviver 'apesar de'. Nasce de uma angústia que insatisfeita é a criadora de nossa própria obra".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima, de autoria de Eduardo Wotzik, sintetiza sua relação com o teatro - e, portanto, com a vida e com tudo que pode transcendê-la - e seu objetivo com o presente espetáculo, baseado na obra de Clarice Lispector. Em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil, "Estudo para Missa para Clarice - Um espetáculo sobre o homem e seu Deus" leva a assinatura de Wotzik (também responsável pela edição final do texto), que divide a cena com Cristina Rudolph e Natally do Ó. O trabalho dramatúrgico foi efetuado por Vittorio Provenza.

O contexto é o de uma missa. Mas não uma missa no sentido convencional, já que no lugar do sacerdote temos um Arauto e no lugar dos coroinhas, duas Beatas Claricianas. O espetáculo não despreza a oração, mas a prioridade é a reflexão. E o que aqui se celebra é a dúvida que, como todos sabemos, é o que faculta a possibilidade do Não se converter em Sim. Muitas perguntas permanecem sem resposta, mas isso é irrelevante, pois o essencial - e isso o espetáculo deixa muito claro - não é o ponto de chegada, mas o percurso. E se algum espectador acreditar que, diante de tantas questões levantadas, melhor seria não levá-las em consideração, já que poderia se sentir como um louco que se perde em um deserto pleno de indagações, a esses o espetáculo parece perguntar: não será preferível eventualmente se perder, mas ainda assim chegar a traçar uma pista?  

Acredito que, em sua essência, "Missa para Clarice" nos propõe traçarmos pistas, as nossas próprias pistas, ainda que muitas vezes angustiados, ainda que eventualmente nos sentindo como se fôssemos órfãos de nós mesmos, ainda que não raro sejamos acossados pela sensação de que nada faz sentido, que um vazio irremediável será nosso eterno companheiro. Mas aqui cabe perceber que, se existe um vazio, é porque existe algo que pode ser preenchido. "Missa para Clarice" aposta nisso: na possibilidade de preenchermos os nossos próprios vazios. 

Impondo à cena uma dinâmica que, sem renunciar ao ritual, propõe uma visceral comunhão entre quem faz e quem assiste, Eduardo Wotzik exibe aqui um dos melhores trabalhos de sua brilhante carreira de encenador, cabendo também destacar sua fortíssima presença cênica e as seguras participações de Cristina Rudolph e Natally do Ó. Minha única ressalva fica por conta de alguns momentos em que imaginei que o espetáculo iria terminar e ele prossegue. Alguns exemplos: a cena em que são distribuídos papéis com pensamentos proferidos; ou a passagem em que, estimulados pelo Arauto, todos repetem algumas frases enquanto dançam; e finalmente, no mais belo momento do espetáculo, quando o Arauto, no altar, ergue as mãos e delas escorre, lentamente, uma grande quantidade de grãos de areia, espécie de oferenda ao Sagrado de todas as nossas fragilidades. 

De qualquer forma, e mesmo considerando este pequeno senão, não resta a menor dúvida de que "Missa para Clarice" é um dos espetáculos mais marcantes e significativos da atual temporada, que contou com a preciosa contribuição de todos os profissionais da equipe técnica - Analu Prestes (direção de arte), irmãos Mantovani (iluminação), Vittorio Provensa (dramaturgia) e Gorecki, este responsável por belíssima música.

ESTUDO PARA MISSA PARA CLARICE - UM ESPETÁCULO SOBRE O HOMEM E SEU DEUS - Texto de Clarice Lispector. Edição, texto final e direção de Eduardo Wotzik. Com Wotzik, Cristina Rudolph e Natally do Ó. Teatro III do CCBB. Quinta a domingo, 19h30.



   


sábado, 13 de fevereiro de 2016

FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA
PROGRAMAÇÃO DE 2016-1
SEMPRE ÀS ÚLTIMAS SEXTAS-FEIRAS DO MÊS, DAS 18 h ÀS 22 h,
LOCAL: SALA VERA JANACÓPULOS – UNIRIO.
FILMES ANALISADOS PELOS PSICANALISTAS:
NEILTON SILVA e WALDEMAR ZUSMAN
E PELA MUSEÓLOGA E PROFESSORA DA UNIRIO:
ANA LÚCIA DE CASTRO
25/03 – PALAVRAS E IMAGENS (Words and Pictures) 2013.
Um escritor consagrado, porém decadente e angustiado, passa a lecionar em uma escola preparatória como professor de Inglês. Quando é contratada uma artista plástica e professora de Arte, o vigor de Jack pela escrita se reforça, não só pela paixão despertada como pela disputa travada entre a força da palavra e o significado da imagem abstrata.
DIREÇÃO: Fred Schepisi. 116 min.
29/04 – A EXPERIÊNCIA (Das Experiment2001.
Filme alemão, baseado em romance de Mario Giordano,  no qual vinte homens são selecionados para participarem de uma experiência inédita que pretende investigar o comportamento humano agressivo em uma prisão simulada, mediante um valor monetário atraente. Oito deles atuam como ‘guardas’ e doze como ‘prisioneiros’. Com o passar dos dias, o ambiente fica cada vez mais agressivo e sem controle.
DIREÇÃO: Oliver Hirschbiegel. 114 min.
27/05- O HOMEM IRRACIONAL (The irrational man)2014. Abe, um professor de filosofia mergulhado em uma crise existencial, reencontra a vontade de viver em uma universidade de pequeno porte. Ao se envolver com uma colega e com sua melhor aluna, a quem fascina por sua cultura, começa a mostrar sinais de desequilíbrio mental, desencadeando uma série de situações que afetará a todos.
DIREÇÃO: Woody Allen. 94 min.
24/06 – PELOS MEUS OLHOS (Te doy mis ojos) 2003.
Após anos de maus tratos, uma mulher foge de casa levando o filho e alguns pertences, pedindo abrigo na casa de sua irmã. Apavorada pela possibilidade do marido procurá-la, pois ela é tudo para ele, Pillar resolve começar a trabalhar em uma loja de um museu, experiência que a torna mais fortalecida e corajosa de superar a violência e a dor conjugal.
DIREÇÃO: Icíar Bollaín. 100 min.

SERVIÇO:
SEMPRE ÀS ÚLTIMAS SEXTAS-FEIRAS DO MÊS, DAS 18H ÀS 22H.
LOCAL – SALA VERA JANACOPOLUS / REITORIA DA UNIRIO
ENDEREÇO: AVENIDA PASTEUR, 296 – URCA.
ENTRADA FRANCA E ESTACIONAMENTO. FILME: 18H; DEBATE: 20H
PEQUENO HISTÓRICO DO FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA
FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA FOI CRIADO PELOS PSICANALISTAS DR. WALDEMAR ZUSMAN E DR. NEILTON SILVA. A PARTIR DE 2004, PASSA A CONTAR COM A PARTICIPAÇÃO DA MUSEÓLOGA E PROFESSORA DRA ANA LÚCIA DE CASTRO, RESPONSÁVEL PELA PESQUISA, DIVULGAÇÃO E PELA ANÁLISE CULTURAL DOS FILMES.
COM A PARCERIA: UNIRIO – PROEXC - ESCOLA DE TEATRO E SPRJ, O PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA MANTÉM UMA REGULARIDADE HÁ DEZ ANOS, TORNANDO-SE UM EVENTO SEMPRE MUITO CONCORRIDO, COM UM PÚBLICO FIEL E PARTICIPATIVO.
INFORMAÇÕES: forumpsicinema@gmail.com

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Teatro/CRÍTICA

"Os Realistas"

...............................................................
Ótima montagem de texto enigmático



Lionel Fischer



"Em cena, dois casais de vizinhos se encontram e descobrem ter mais em comum do que as casas idênticas e sobrenomes iguais. Com este ponto de partida, a peça flagra a convivência do quarteto e os relacionamentos que começam a se entrelaçar. Em um hábil jogo de cena, o autor mostra também que nem tudo é o que parece ser, fazendo ainda que as situações reflitam sobre os diferentes estágios do casamento".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o contexto e o enredo de "Os Realistas", do norte-americano Will Eno. Em cartaz no Teatro Poeira, a montagem leva a assinatura de Guilherme Weber, também responsável pela adaptação. No elenco, Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima.

Não sei exatamente o que o autor pretendeu com este texto. Vamos, então, a algumas conjecturas. Na cena inicial, vemos o casal Julia (Mariana Lima) e João (Fernando Eiras) no quintal de sua casa. A noite é belíssima, dessas que só nos acontecem quando somos jovens, como disse Dostoiévski em "Noites Brancas". O diálogo entre ambos praticamente inexiste - as poucas frases proferidas não se completam, os pensamentos são sempre inconclusos etc. Então chegam Pônei (Debora Bloch) e José (Emílio de Mello), que falam muito e sempre em um tom exuberante. E logo percebemos que José nutre sôfrega paixão por piadas e frases de duplo sentido, enquanto Pônei parece inteiramente convencida de que as coisas tanto podem ser o que sugerem como não. 

A partir daí, alguns fatos acontecem, sem dúvida, e acabamos conhecendo um pouco mais sobre os personagens - mas muito pouco, que fique bem claro. Mas tal conhecimento se dá de forma invariavelmente truncada, não raro penosa, como se o autor fizesse absoluta questão de jamais ser minimamente claro, evidenciando, ao menos neste texto, uma desvairada paixão por enigmas. Em contrapartida, é forçoso admitir que a plateia ri muito de algumas piadas ou de colocações completamente carentes de sentido. E assim transcorrem duas horas...

E aqui torna-se imperiosa uma breve reflexão. Por que será que, diante de um material dramatúrgico cuja pretensão é infinitamente superior à sua eficácia, ainda assim os espectadores se mantém razoavelmente atentos? A resposta é simples: graças ao maravilhoso elenco. Em caso de dúvida, é só alguém se dar ao trabalho de imaginar este texto sendo representado por atores medianos ou apenas bons. Será que a plateia se manteria razoavelmente atenta? Não hesito em afirmar que não, o que só reforça minha convicção de que Mariana Lima, Debora Bloch, Fernando Eiras e Emílio de Mello são intérpretes de exceção. 

Com relação à encenação, Guilherme Weber realiza um excelente trabalho, tanto no que concerne à originalidade e expressividade das marcações quanto ao seu domínio dos tempos rítmicos. E a mesma excelência se faz presente nas contribuições de Ursula de Almeida Rego Migon e Erica de Almeida Rego Migon (tradução), Daniela Thomas e Camila Schmidt (cenografia), Ticiana Passos (Figurinos) e Beto Bruel (iluminação).

OS REALISTAS - Texto de Will Eno. Direção de Guilherme Weber. Com Mariana Lima, Debora Bloch, Fernando Eiras e Emílio de Mello. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.