quarta-feira, 26 de março de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Fim de partida"

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Texto de Beckett em ótima montagem

Lionel Fischer



"Composta de um único ato, a peça retrata os dois protagonistas, Hamm e Clov, reclusos num abrigo, sofrendo com a escassez de alimentos e remédios. O enredo transcorre em torno de uma possível partida de Clov, enquanto Hamm, seu decrépito senhor, paralítico e cego, administra o fim das provisões: alimentos, remédios, sonhos, ideais. Os pais de Hamm, Nagg e Nell, acentuam as relações de dependência e solidão. O ambiente é fechado, claustrofóbico, e do lado de fora temos um mundo em destruição".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado e levemente editado, resume o contexto de "Fim de partida", de Samuel Beckett, em cartaz no Teatro Ipanema. Mais recente produção da Cia. Alfândega 88, a montagem leva a assinatura de Danielle Martins de Farias, estando o elenco formado por Adriana Seiffert (Nell), Leonardo Hinckell (Hamm), Rafael Mannheimer (Clov) e Silvano Monteiro (Nagg).

Como tratados já foram escritos sobre este texto pelos mais brilhantes ensaístas do século XX, julgo ter pouco a acrescentar sobre o que já foi dito. Ainda assim, gostaria de enfatizar minha crença de que "Fim de partida" talvez seja a peça que melhor traduz as premissas essenciais do chamado Teatro do Absurdo - surgido logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, este gênero constitui uma tentativa de se materializar na cena (e de forma não realista) a sensação de vazio que se apossou da Europa ao término do insano conflito. Mais do que uma ruína financeira, o que predominava era uma ruína ética, uma ausência mínima de perspectivas. A vida parecia não fazer mais o menor sentido. O ato de viver se afigurou como Absurdo.

Neste texto em que as palavras importam tanto quanto sua musicalidade e as pausas surgem impregnadas de significado, o essencial é transmitir uma devastadora sensação de solidão, decorrente da constatação de que não há mais nenhuma possibilidade de escapatória. Encarada sob esta perspectiva, a montagem assinada por Danielle Martins de Farias pode ser considerada de ótimo nível. 

Valendo-se de marcações diversificadas e criativas, e trabalhando de forma irrepreensível os tempos rítmicos, a encenadora exibe o mérito suplementar de haver extraído sensíveis atuações de todo o elenco. Adriana Seiffert, Leonardo Hinckell, Rafael Mannheimer e Silvano Monteiro demonstram perfeita compreensão do contexto em que atuam e exibem dotes interpretativos de grande qualidade. 

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Aurélio de Simoni (iluminação), Sergio Marimba (cenografia), Raquel Theo (figurinos) e Fabio de Souza Andrade (tradução).

FIM DE PARTIDA - Texto de Samuel Beckett. Direção de Danielle Martins de Farias. Com Adriana Seiffert, Leonardo Hinckell, Rafael Mannheimer e Silvano Monteiro. Teatro Ipanema. Terças e quartas, 21h.

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