sexta-feira, 29 de novembro de 2013

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ANJOS DO PICADEIRO 2013

Organizado pelo Teatro de Anônimo, encontro internacional de palhaços
acontecerá entre os dias 1° e 7 de dezembro nas ruas e praças do Rio

A rua é um palco democrático para o artista. “Rio é rua”. Com esse tema, o 12º Encontro Internacional de Palhaços Anjos do Picadeirovai tomar conta da cidade com espetáculos de grandes mestres da comicidade mundial: Leo Bassi (Espanha), Johnny Melville (Escócia), Chacovachi (Argentina), Palhaço Tomate (Argentina), Andres del Bosque (Chile), além da participação de mais de 250 jovens artistas de diversos estados brasileiros e de outros países. Criado em 1996 pelo grupo carioca Teatro de Anônimo, o Anjos do Picadeiro –www.anjosdopicadeiro.com.br  é hoje considerado o maior encontro de palhaços da América Latina e um dos mais importantes do mundo.  Em 12 anos, o evento já foi realizado em outros lugares do Brasil: Salvador, São Paulo, São José do Rio Preto e Florianópolis.
Como o objetivo de ocupar os espaços públicos da cidade, o Anjos do Picadeiro não terá espetáculos em teatros e centro culturais. Em 2013, as atrações acontecerão nas ruas e praças das zonas Sul, Norte, Oeste e do Centro: Bangu, Cinelândia, Glória, Lapa, Largo do Machado, Largo da Carioca, Madureira, Praça São Salvador, Praça Tiradentes e Praça XV. O único palco fechado será o Pavilhão Teatro de Anônimo, na Fundição Progresso, que receberá os cabarés (esquetes cômicas, performances e música), além de uma noite dedicada ao lançamento de três livros: “No Divã do Palhaço”, de Carlos Biaggioli (SP), “Caçadores de Risos – o maravilhoso mundo da palhaçaria”, de Demian Moreira Reis (BA) e “Segurança no Circo – questão de prioridade”, de Ermínia Silva, Marco Bortoleto e Diego Ferreira (SP).
Nesta edição, o intercâmbio entre artistas de diferentes cidades e países, as oficinas e as assessorias técnicas ganharam destaque na programação. Os resultados desses encontros estarão nas rodas de ruas, na abertura oficial (Overdoze), nos cabarés e nas Palhaceatas. Todas as atividades serão gratuitas, mas o público poderá contribuir de forma espontânea no final dos espetáculos – o que acontece com frequência em países da Europa e da América Latina e garante o sustento de muitos artistas. “A rua é um lugar de lazer e de trabalho do artista. Nós queremos gerar uma reflexão sobre o consumo de bens culturais e as suas formas de financiamento”, explica João Artigos, um dos fundadores do Teatro de Anônimo. O chapéu foi eleito um ícone que representará simbolicamente essa proposta e estará presente durante todo o evento, desde o objeto em si para recolher as contribuições depois das apresentações até as ações do festival nas redes sociais.
Dia 1º de dezembro (domingo) – Abertura oficial
 A abertura oficial do Anjos 2013 será com o Overdoze – uma maratona de doze horas de espetáculos na Praça Tiradentes, das 11h às 23h, no dia 1° de dezembro. Os espetáculos serão apresentados por artistas nacionais e internacionais: Johnny Melville (Escócia) com “Best of Johnny”; Ricardo Puccetti e Lume Teatro (SP) com “La Scarpetta”; Palhaço Tomate (Argentina) com “Tomate na rua”; Chacovachi (Argentina) com “Cuidado! Um palhaço mau pode arruinar a sua vida”; Andres del Bosque (Chile) com “Banqueiros” e Irmãos Saúde (DF).
 As pesquisadoras Adriana Schneider e Juliana Jardim estarão à frente do “Banquete de Ideias”, uma dinâmica que envolverá comida, discussão e provocação de ideias. O palhaço espanhol Leo Bassi fará o encerramento do Overdoze com um espetáculo inédito criado a partir de um intercâmbio com os integrantes do Grupo Circo no Ato, os alunos do Circo Crescer e Viver e também músicos convidados. Na Praça, será montada uma feirinha com artigos circenses, artesanatos e comidas como caldos, salgados e doces, além de uma barraca de acarajé e doces da Nega Teresa, quituteira tradicional do bairro Santa Teresa.
Palhaceatas – Centro, Bangu e Madureira
Como um desfile de carnaval que por onde passa convoca o público a brincar, dançar e rir, a tradicional Palhaceata reunirá mais de cem palhaços no dia 5 de dezembro, entre 14h e 17h.O percurso de três horas pelas ruas do Centro terá início na Cinelândia e terminará na Praça XV. O Lume Teatro – um dos mais importantes grupos de artes cênicas do país – fará uma oficina que resultará na montagem de um cortejo com figurinos e imagens criadas especialmente para o abre-alas e um intercâmbio entre artistas, grupos e coletivos resultará em uma ala só de mulheres palhaças.

Depois de um enorme polvo vermelho, a Palhaceata será acompanhada por uma aranha gigante confeccionada com mais de 5 mil balões infláveis. A criação do palhaço argentino Tomate será produzida em parceria com artistas brasileiros durante os três dias que antecedem o desfile. Este ano, a novidade é que a Palhaceata também acontecerá em Bangu e Madureira. O evento começará na Central do Brasil, onde os palhaços vão ocupar um vagão de trem.
Exposição Palhaças Peladas
Com curadoria da atriz, palhaça e dramaturgaCris Muñoz, a exposição Palhaças Peladas” ficará em cartaz no Café Mercado Fundição, na Fundição Progresso, entre os dias 1º e 6 de dezembro. O projeto é um manifesto que, de forma bem-humorada, celebra as diferenças das mulheres. O fotógrafo Alexandre Chavesretratou nove palhaças, incluindo Muñoz. “Para ser palhaça já é necessário despir-se de estereótipos sociais, estéticos e individuais. O corpo para elas é um instrumento de trabalho que, nu e por meio do humor, dá a possibilidade de se ser o que se quer ou mesmo de simplesmente usufruir com prazer daquilo que se tem”, explica a curadora.
PROGRAMAÇÃO DIA A DIA
DIA 1º (DOMINGO)
Overdoze – abertura oficial
Local: Praça Tiradentes
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
11h: Banquete de Ideias/Manifesto do Chapéu
15h: Best of Johnny (Johnny Melville/Escócia)
16h: Circo Artetude Irmãos Saúde (DF), Coletivo Nopok (RJ), Guga Morales (RJ) e Alê Casali (BA)
17h: La Scarpetta (Ricardo Puccetti/Lume Teatro/SP)
18h: Tomate Na Rua (Palhaço Tomate/Argentina)
19h: “Cuidado! Um palhaço mau pode arruinar a sua vida” (Chacovachi/Argentina)
20h: Banqueiros (Andres del Bosque/Chile)
21h: Intervenção Leo Bassi
DIA 2 (SEGUNDA)
17h: Roda de Rua com Guga Morales, Pepe Pica Porte e Homem Banda
Local: Largo do Machado
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
20h: Palco Aberto com Coletivo Bravos, Nopok e Cia um Pé de Dois 
Local: Praça São Salvador
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
DIA 3 (TERÇA)
17h: Roda de Rua com Alê Casali, Sr. Palhaço, Pepe Pica Porte, Fernando Nicolini, João Carlos Artigos e Mandioca Frita
Local: Largo da Carioca
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
20h30
Local: Pavilhão Teatro de Anônimo (Rua dos Arcos, 24 - Fundição Progresso, Lapa)
Capacidade: 200 lugares
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
Lançamento de livros: “No Divã do Palhaço” (Carlos Biaggioli), “Caçadores de Risos – o maravilhoso mundo da palhaçaria” (Demian Moreira Reis) e “Segurança no Circo – questão de prioridade” (Ermínia Silva, Marco Bortoleto e Diego Ferreira)
Roda de Samba com Flor de Chorume
DIA 4 (QUARTA)
17h
Local: Praça XV
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
Roda de rua com vários artistas
DIA 5 (QUINTA)
Palhaceata no Centro
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
15h: Desfile saindo da Cinelândia em direção à Praça XV
21h: Cabaré com show Os Siderais
Entrada franca
Local: Pavilhão Teatro de Anônimo (Rua dos Arcos, 24 - Fundição Progresso, Lapa)
Capacidade: 200 lugares
Informações: (21) 2240-0930
DIA 6 (SEXTA)
Palhaceata em Bangu
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
14h: Saída da Central do Brasil
15h: Desfile saindo do Calçadão de Bangu em direção à sede social do Bangu Atlético Clube
21h: Cabaré com vários artistas
Local: Pavilhão Teatro de Anônimo (Rua dos Arcos, 24 - Fundição Progresso, Lapa)
Capacidade: 200 lugares
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
DIA 7 (SÁBADO)
Palhaceata em Madureira
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
14h30: Saída da Central do Brasil em direção ao Parque de Madeira
16h: Desfile no Parque de Madureira
22h
Show de Encerramento com Geraldo Junior, Terreirada Cearense e DJ Boca
Local: Sede da Grande Cia Brasileira de Mystérios e Novidades na Casa da Gamboa (Rua Pedro Ernesto, 21 e 23 – Gamboa) 
Informações: (21) 2240-0930
Entrada franca
www.palavraonline.com  (21) 3204-3124
Direção Cristina Rio Branco e André De Biase
Coordenação Paula Catunda paula@palavraonline.com  (21) 8795-6583
Atendimento Tatiana Garritano tatiana@palavraonline.com
(21) 8283-5039




     

  

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Deixa que eu te ame"

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Texto maravilhoso em belíssima versão



Lionel Fischer



"Após brilhar em uma palestra para financistas, o economista Bernardo convida para jantar o irmão Thomaz, médico de hospital público. Eles mantêm forte elo afetivo, apesar do iluminado êxito de Bernardo contrastar com a competência ignorada de Thomaz. Com eles, as esposas: a ex-jornalista Cecília, e a ex-pianista Helena. No nostálgico restaurante, a inesperada noite de surpresas e revelações traz à tona sentimentos velados ao longo dos anos, além de um desfecho surpreendente".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Deixa que eu te ame", texto inédito do pensador, escritor e dramaturgo Alcione Araújo, falecido no ano passado. Aderbal Freire-Filho assina a direção da montagem, em cartaz no Teatro Eva Herz. No elenco, Solange Badim, Isabel Lobo, Bella Camero, Paulo Tiefenthaler, Paulo Giardini, Cândido Damm e Oscar Saraiva.

Como implícito no parágrafo original, tudo levava a crer que o encontro dos casais no restaurante haveria de ser feliz, dado o sucesso de Bernardo em sua palestra. No entanto, já na primeira cena intuímos o contrário: Bernardo e Helena, que foram namorados no passado, chegam primeiro e ela manifesta seu desejo por ele com desvairada urgência. Ele tenta refreá-la com exasperante cinismo, mas sem deixar de estimulá-la. Assim, quando Cecília e Thomaz aparecem, a expectativa do público cresce, e uma pergunta se impõe: como farão Bernardo e Helena para ocultar o que acabaram de viver e assim não comprometer um encontro que deveria ser festivo e fraterno?

Pouco a pouco, e exibindo notável carpintaria teatral, o autor conduz a ação de forma tal que todas as máscaras acabam caindo e revelando a verdadeira face dos personagens. E não apenas no tocante à atração de Bernardo e Helena, mas também no que diz respeito ao passado, a tudo o que levou os personagens a se tornarem o que são. E neste processo de revelação, forçado pelas circunstâncias, Alcione Araújo aproveita as características pessoais dos protagonistas para empreender aguda reflexão sobre vários temas, em especial sobre a ética.

Além disso, em termos de estrutura narrativa, o autor cria momentos solo dos personagens que, dirigindo-se diretamente à plateia, explicitam com absoluta sinceridade todas as motivações que os levaram a trilhar determinados caminhos e que em público não ousam revelar. Essa quebra da quarta parede causa, inicialmente, uma certa estranheza, mas logo a percebemos como um recurso de grande teatralidade.

Contendo ótimos diálogos, personagens maravilhosamente estruturados, pertinentes reflexões e uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, "Deixa que eu te ame" recebeu irretocável versão cênica de Aderbal Freire-Filho. A começar por sua opção de reforçar a tragicidade e sensualidade do texto com uma movimentação muitas vezes dançada ao som das deslumbrantes melodias criadas por Edu Lobo, com predominância pelo tango. 

Sem querer me estender muito sobre o tema, ainda assim julgo oportuno salientar que, segundo alguns, "o tango é um pensamento triste que se pode dançar". Mas no geral todos concordam que, além da tristeza que lhe é inerente, o tango mescla o drama, a paixão e a agressividade, cabendo também ressaltar que a mulher é sempre submissa. 

Isso posto, não sei se partiu de Aderbal ou de Edu Lobo a ideia de pontuar grande parte das cenas com tangos, mas o fato é que as mesmas adquirem uma dimensão ainda mais expressiva em função desta escolha. Afora isso, o encenador exibe aqui os já conhecidos predicados que o elevaram à categoria de um dos maiores encenadores deste país: marcações originais e sempre imprevistas, total domínio dos tempos rítmicos e notável capacidade de extrair o máximo dos intérpretes que dirige.

Na pele de Helena, Solange Badim exibe performance irretocável, extraindo tudo que é possível de uma personagem obrigada a conviver com sentimentos tão opostos quanto paixão e resignação. Paulo Tiefenthaler também faz muito bem o típico homem de sucesso de nosso tempo, que prioriza os objetivos a serem alcançados sem jamais levar em conta valores éticos. Isabel Lobo encarna com segurança a mulher que se vende totalmente ao sistema, com Paulo Giardini valorizando com grande sensibilidade um personagem que insiste em se manter íntegro. 

Cândido Damm está hilariante no papel do garçom, cabendo registrar a sensibilidade do ator quando atua em silêncio. A jovem Bella Camero convence plenamente na pele da adolescente (filha de Cecília) que se junta ao traficante vivido por Oscar Saraiva - este é um dos atores mais "despudorados" do teatro carioca, no sentido mais sublime do termo: entrega-se visceralmente a tudo que faz e tudo realiza sem o menor medo de errar ou incorrer em excessos; sua performance, aqui, merece ser considerada brilhante. 

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - afora o já mencionado Edu Lobo (direção musical), Fernando Mello da Costa (cenografia), Ticiana Passos (figurinos), Luis Paulo Nenen (expressiva iluminação) e Marcia Rubin (não tenho a menor dúvida em afirmar que sua direção de movimento foi decisiva para o inegável êxito da montagem).

DEIXA QUE EU TE AME - Texto de Alcione Araújo. Direção de Aderbal Freire-Filho. Com Solange Badim, Isabel Lobo, Bella Camero, Paulo Tiefenthaler, Paulo Giardini, Cândido Damm e Oscar Saraiva. Teatro Eva Herz. Terça a sábado, 19h30.






quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Antígona y Ismênia

A cena que se segue foi por mim escrita há cerca de 18 anos. Ensaiávamos (seriamente) no Tablado o texto original de Sófocles quando uma aluna me desafiou a escrever uma versão completamente oposta da cena. Como adoro desafios, no dia seguinte levei esta, que espero que seja encarada como uma simples brincadeira...(LF)


Antígona - Ismênia, irmã querida, estás aí?

Ismênia - Não, coisa enjoada, estou lá!

Antígona - Mas que fazes ajoelhada, olhos semicerrados, a balançar-te como se uma brisa...

Ismênia - Que brisa, Antígona? Conheces os meus hábitos. Sabes que padeço de brutal insônia e que, para dormir, após tomar meu último Frontal, tenho que postar-me de joelhos, fechar os olhos e ficar gingando. Só assim Morfeu me acolhe em seus entorpecidos braços.

Antígona - Perdoa, irmã, a inoportuna interrupção de teu noturno embalo. Mas é que estou possuída de uma tal angústia que...

Ismênia - Angústia essa que se perpetua em face de tua renitência em fazer análise. Oh, Zeus, já quantas vezes te falei que o doutor Sergius Machadus poderia pôr um fim a essa tua pentelhice crônica, mescla de afetos mal resolvidos e pruridos hormonais descompassados? Mas não: continuas firme em tua determinação de torrares o saco de quem te ama.

Antígona - Irmã, minha presente angústia nada tem a ver com afetos e pruridos. Como bem sabes, Etéocles ganhou digna sepultura. Quanto a Polinices, a este Creonte reservou...

Ismênia - Por favor, irmã prolixa, não enfades a platéia com informações já conhecidas!

Antígona - Mas...será possível que com tal decreto te conformes?

Ismênia - Uai...quem mandou Polinices aliar-se ao inimigo? Tebas venceu e ele, conseqüentemente, se fudeu.

Antígona - Irmã! Não empregues tal verbo de movimento em minha presença. Sabes que sou casta e me embaraço.

Ismênia - E a culpa é de quem? Do teu cabaço, que manténs intacto sabe Zeus por quê!

Antígona - Por favor, irmã. Deixa em paz minha delicada película. Aqui não estou em busca de sermões de natureza lúbrica. Vim para contigo traçar um plano que permita livrar nosso adorado irmão do trágico destino que o aguarda.

Ismênia - Nada podemos fazer quanto a isso. E agora vá, senão acabo revelando-te a principal razão que move nosso tio/tirano.

Antígona - Como assim? O que insinuas? Conheces algo que minha proverbial ingenuidade impediu-me de perceber?

Ismênia - Insistes? Pois bem: senta-te aqui, pomba-rola eternamente assombrada. E prepara-te para desmaiar após o relato que ora te farei.

Antígona - Faça-o, por Zeus! E nada omitas, nem o mais ínfimo detalhe.

Ismênia - Ouve calada, porra! Senão, dopada como estou, perderei o fio da meada.

Antígona - Prometo-te mudez absoluta.

Ismênia - Pois bem: numa noite, pouco antes de estourar esta debilóide guerra, como o sono me fugisse resolvi fazer um tour pelo palácio. Quando passava pelas imediações dos aposentos de Creonte, ouvi gemidos. Pensando que nosso tio/tirano pudesse estar padecendo de algum mal, aproximei-me visando lhe prestar socorro. Foi então que, na penumbra de sua ante-sala, deparei-me com o seguinte quadro: Polinices de pé e recostado naquela coluna rosa; a seus pés, ajoelhado, nosso tio Creonte.

Antígona - E que fazia titio em tal posição? Suplicava perdão ao nosso irmão por alguma injustiça cometida?

Ismênia - Em absoluto: dedicava-se com afinco a pagar um boquete.

Antígona - Um...boquete? Mas o que vem a ser isso? Uma nova moeda? Um objeto? Explica-me!

Ismênia - Ah, irmã querida...não fosses tu sangue do meu sangue, e eu te mandaria tomar no cu!

Antígona - Por Zeus! Outra vez palavras obscenas!?

Ismênia - A elas me obrigas!?. Mas vamos ao que interessa. Ajoelhado, pois, como já te disse, nosso tio Creonte sugava com paixão o ereto membro de nosso adorado irmão.

Antígona - Não!

Ismênia - Sim! E tudo parecia caminhar para um desenlace satisfatório quando Polinices soltou um urro!

Antígona - Arrependeu-se!

Ismênia - Não! Creonte lhe arrebatara um segmento do prepúcio! E a dor sentida foi tamanha que logo se converteu em cólera. Então, Polinices amaldiçoou a inabilidade de Creonte e deu-lhe um cacete na nuca. Mas antes de tombar desacordado, nosso tio/tirano anunciou que sua vingança em muito excederia a humilhação que nosso irmão ora lhe impunha. Aí tens, querida irmã, a correta motivação para a condenação imposta. Não desmaias? (Antígona vagueia pela cena com ar perdido. Impaciente, Ismênia se aproxima e lhe estende a mão) Toma um frontal, irmã, e amanhã procura o doutor Machadus. Seu divã, ornamentado de almofadões de veludo, há de converter-se em tua morada pelos próximos 30 anos...

Antígona - É o que imagino. (Engole o Frontal) E agora adeus...a meus aposentos me dirijo...urge refletir...

Ismênia - Faça-o em versos. Fica mais profundo...

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O Percevejo Online, Vol. 2, No 2 (2010)

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VIEWPOINTS E O MÉTODO SUZUKI – UMA PALESTRA COM DONNIE MATHER
Donnie Mather
(Atlantic Theatre Conservatory, EUA)
Tradução de Isabel Tornaghi
Resumo
Essa palestra, apresentada na abertura do II Engrupedança: Diálogos e Dinâmicas/UNIRIO, em 2009, relata pontos centrais do treinamento Viewpoints, com base na experiência pessoal do ator Donnie Mather com a SITI Company,dirigida por Anne Bogart. O texto trata do conteúdo dos diferentes viewpoints, ou pontos de vista, exemplificando o treinamento, sua aplicação e os resultados, através de diversas produções da SITI Company nos Estados Unidos.Donnie Mather introduz ainda, o método Suzuki, que segundo ele complementa o treinamento Viewpoints.
Palavras-chave | Viewpoints | método Suzuki | SITI Company | Anne Bogart | treinamento



Boa tarde a todos, como estão vocês? [Risos] Levante sua mão, se você falar Inglês. [Risos] OK, excelente. Quero agradecer a UNIRIO e à Joana [Ribeiro] por ter me convidado para dar esta conferência, e ser acompanhado por Enrique [Diaz], Bel [Garcia], e Isabel [Tornaghi] nesta conversa.
Eu pensei em falar um pouco sobre a minha história pessoal no estudo de Viewpoints, e como me relaciono com isso, porque é algo de que normalmente não falo muito, em aula ou em uma oficina. Porque em uma aula, quando estamos treinando, é muito importante manter o foco nos artistas, para permitir-lhes criar a sua própria relação pessoal com a técnica.
E isso começa com uma história: em 1992 eu fui ver uma peça chamada Piquenique de William Inge. E quando cheguei ao teatro, entrei e o espaço estava vazio. Não havia cenário, apenas um ciclorama branco no fundo do palco, o chão era branco e inclinado em direção ao público. Esta peça, Piquenique, fora escrita há quarenta anos, no estilo de Tennessee Williams, e se passava no Sul dos Estados Unidos da América, na primeira metade do século XX. Mas quando sentei no meu lugar, não vi nada que sugerisse esse ambiente - e de repente as luzes de serviço se apagaram; e os alto-falantes soltaram um Jazz a todo volume; e se acenderam algumas pequenas luzes roxas fluorescentes ao redor do palco - os atores adentraram o espaço e a peça começou. E imediatamente fui transportado para um mundo que era muito específico e não se precisava de cenário. Os atores usavam trajes de época, havia muito poucos adereços - acho que um menino atravessou o palco de bicicleta umas duas vezes. Mas a peça residia nos corpos dos atores e no espaço entre os atores. E aquela noite mudou a minha vida. [Risos]
Eu queria saber - mesmo antes da peça terminar - como eles fizeram para criar este mundo?! Que tipo de formação os preparou para criar essa peça? E assim descobri que a diretora era Anne Bogart (1951), e alguns dos atores em cena eram membros da recém formada companhia de teatro.
A sua companhia de teatro se chamava Saratoga International Theater Institute [SITI], co-criada com Tadashi Suzuki, do Japão. E descobri que a prática que eles compartilhavam era uma técnica que se chama de treinamentoViewpoints e uma segunda técnica chamada Método Suzuki.
Para mim, essa história é importante porque eu encontrei o trabalho primeiro no palco e, em seguida, a técnica. E a razão pela qual eu acho que isso é importante para mim é que muitas vezes quando alguém fica conhecendo o treinamento pode pensar que ele é para um determinado tipo de teatro, um único estilo. Então, eu comecei a praticar com a SITI Company há mais de 14 anos, com ambas as técnicas, e nos últimos dez anos também tenho dado aulas.
Eu fiquei animado com o Viewpoints, porque... primeiro, por ser físico e, em segundo lugar, porque lidava com improvisação. A formação que eu estava tendo naquele momento se parecia com uma versão do método americano, a versão americana do método Stanislávski. E o que aconteceu comigo, eu acho que aconteceu com muita gente nesse treinamento, é que o trabalho com a emoção apagou a fisicalidade do ator – por isso, ao entrar em um treinamento assim físico, senti que isso me abriu, tanto intelectualmente como emocionalmente.
Pessoalmente, acredito que todas as técnicas estão tentando alcançar a mesma coisa. Mas na viagem para chegar lá, tomamos caminhos diferentes. Para mim, foi importante porque era físico - até aquele momento, o único treinamento físico que eu tivera era no teatro musical - e porque se tratava de improvisação; naquele tempo, como um jovem artista, eu tinha um medo enorme de improvisação. Então, eu estava interessado em tentar enfrentar esse medo.
Quando eu pensava em improvisação, naquele tempo, e ainda hoje penso sobre improvisação desta forma, é como se fosse uma grande tela branca para um pintor, e a questão que se coloca é: - Como começar? Há muitas perguntas: - Que cor você vai usar, qual o tamanho do pincel? Você começa no meio ou no canto? E assim, as perguntas podem se tornar esmagadoras, e isso também pode paralisar você.
O que aconteceu quando eu comecei a praticar os Viewpoints é que ganhei uma lista de ferramentas na qual eu poderia me concentrar, e focando a minha concentração nessas ferramentas de repente eu estava livre para improvisar.
Agora, o treinamento com a SITI Company é único porque você está treinando simultaneamente com o método Suzuki e eles são complementares, como o Yin e Yang. O método Suzuki tem uma forma muito rigorosa, dentro da qual o ator deve encontrar a liberdade, enquanto o Viewpoints lida com improvisação, o que envolve muita liberdade, e o desafio para o ator é encontrar a forma dentro dela.
Claro, como muitos de vocês sabem, Anne Bogart não foi a primeira a articular o Viewpoints, a responsável por isso foi a Mary Overlie (1946). Ainda assim, tanto a Mary como a Anne concordariam que esses pontos de vista não são algo novo que apareceu magicamente no século XX – são ideias que todo intérprete vem usando desde o início dos tempos.
As ferramentas de que estamos falando destrincham as duas questões com as quais todo ator tem de lidar: as questões do tempo e do espaço. Na verdade, todos nós estamos lidando com tempo e espaço, quer você seja um intérprete ou não. Olhando para esta sala agora, eu vejo como vocês estão usando o espaço, que é diferente de como nós estamos usando o espaço, e acho que esse fator em comum é importante, porque o ator tem que "acordar" essas coisas que já existem. Eu gosto de como a Anne Bogart coloca isso: que essas coisas sempre existiram e ainda assim o nosso trabalho como artistas é despertá-las.
Mary Overlie descreve a técnica como um castelo de cartas, se você remove uma carta a casa cai. Então, o que ela está apontando com isso é que eles são não-hierárquicos, em outras palavras, "Forma" não é mais importante do que "Tempo". Acho que isso indica o que é muitas vezes chamado de filosofia da técnica. Há muitas técnicas que apontam para o texto - o texto como a coisa mais importante da encenação. Mas, talvez, o diretor Robert Wilson argumentaria que o movimento, ou a iluminação, podem ser tão importantes quanto as palavras do texto.
Durante esse período em que comecei a praticar com a SITI Company, também passei algum tempo trabalhando com Mary Overlie, com o que ela chama de "Os Seis Viewpoints"1. A história do que aconteceu ali, de serem seis e como eles mudaram para nove - acho que são agora - com Anne... [risos] é que Mary estava ensinando na NYU [New York University] e Anne a conheceu, em meados dos anos setenta. Anne ficou muito animada porque... Anne também estava frustrada com a formação do ator naquele momento e estava procurando algo para revigorar a fisicalidade dos atores. Então, houve esse grande encontro entre o mundo da dança e o mundo do teatro - Mary é coreógrafa, bailarina e professora - e Anne veio do teatro e queria “roubar” de outras mídias. Anne pegou esses seis Viewpoints, os expandiu e refinou, para torná-los específicos para atores, mas eu diria que são aplicáveis aos dançarinos da mesma maneira.
Os Viewpoints2 [Físicos] com que eu trabalho incluem:
·  Tempo – que responde à pergunta "o quão rápido, o quão lento?"
·  Duração - quanto tempo alguma coisa dura.
·  Resposta Cinestésica - um ótimo exemplo disso seria observar um cardume de peixes em movimento, ou um grupo de aves em movimento. É uma questão de timing, quando alguma coisa acontece.
·  viewpoint da Relação Espacial - tem a ver com a distância entre os corpos. Nós estamos em uma relação espacial agora [risos], que conta uma história sobre quem somos nós e quem vocês são neste momento.
·  Há o viewpoint da Arquitetura - usando o espaço real em que nós estamos trabalhando, e permitindo ao espaço entrar em diálogo conosco.
·  viewpoint da Topografia - é a jornada, como se atravessa de um ponto para outro do palco.
·  viewpoint da Forma - eu estou criando uma forma agora, você está em uma forma agora, eu estou em outra forma novamente. Então, elas podem ser abstratas, mas também podem ser muito cotidianas. A forma pode estar isolada em um corpo, ou [em relação] com outro corpo, ou com a arquitetura.
·  E finalmente há o viewpoint do Gesto - um gesto é uma ação, então ele pode incluir muitas formas diferentes. Aqui está um gesto, aqui está outro gesto – ou seja, eles podem ser abstratos ou podem ser cotidianos.
O que fazemos quando começamos a praticar os Viewpoints é tentar despertá-los de tantas maneiras diferentes quanto formos capazes. É interessante e divertido trabalhar com formas e timing de modos diferentes do que nós trabalhamos todos os dias, no entanto frequentemente é muito difícil trabalhar com aqueles que estão intimamente relacionados ao nosso cotidiano. Assim, cada artista começa a ter seu diálogo com essas ferramentas - e em última instância, este é um trabalho coletivo, então você não está só tentando praticar para si mesmo, mas está tentando praticar com o grupo, para criar uma conexão de grupo, que pode mudar, talvez, num piscar de olhos.
Essa é como se fosse uma história muito breve do treinamento do Viewpoints. Mas para mim, pessoalmente, eu acho fascinante porque o treinamento se transforma à medida que eu me transformo. Depois de quinze anos, euestou mais velho, tenho um jeito diferente, sou uma pessoa diferente. Meu corpo [também], eu tenho que lidar com um corpo diferente - e isso pode alterar a forma como eu escuto o grupo, ou uma plateia, por isso a conversa para mim nunca termina.
Eu acho que isso também aponta para o fato de que se trata de uma prática, no sentido mais verdadeiro da palavra; é uma prática. Eu adoro mudar o contexto do treinamento e chegar a lugares como este; em um cenário diferente, em outra cultura, com uma língua estrangeira, porque eu sinto que isso também me acorda como artista. Nos dez anos em que venho ensinando eu aprendi muito, mas também tenho muito mais perguntas sobre esses assuntos, e acho interessante oportunidades como essa, de oferecer oficinas como a desta semana, para que eu possa continuar essa investigação.
Na verdade, me lembra do que é a estrutura para se atuar; você se prepara, se prepara, e aí joga tudo fora, para que possa estar presente no momento presente. Há muitos exercícios que se faz no treinamento Viewpoints que são comuns, que não mudam, mas eles vão mudar de acordo com o contexto. Por exemplo, tem um contexto esta semana em que um grupo de artistas vai sentir o gostinho desse treinamento, muito breve, mas eles vão sentir o gostinho, e por isso há interesse - o que é ótimo para qualquer técnica, e o desafio de uma oficina como essa é trabalhar como se você estivesse fazendo isso há muitos anos.
O treinamento com meus amigos da SITI Company é único, porque eu os conheço há muitos e muitos anos, portanto, o contexto para mim é: será que consigo tratar essa atriz de um modo diferente, embora eu já a conheça há muitos e muitos anos? Não estamos falando apenas de despertar essas ferramentas, estamos falando também de despertar a nossa atenção, em geral.
Eu acho que meu tempo está acabando, então vou contar uma última história. Teve uma peça em que eu trabalhei – a primeira que fiz com Anne Bogart – era na verdade uma ópera chamada Os sete pecados capitais, e foi uma experiência muito estranha, porque fomos convidados pela New York City Ópera, uma companhia de ópera, e foi a primeira vez que Anne dirigiu uma ópera e nenhum de nós era cantor de ópera - nós não fomos contratados para cantar, eu prometo. Esta ópera foi escrita por Kurt Weill e Bertolt Brecht e se trata mais de uma sequencia de canções do que uma ópera completa, [ela] tem apenas um ato. Então, tem um prólogo e sete cenas, cada uma apresentando um pecado, com um epílogo no final. Ao todo eram nove cenas, certo?
Nós fomos para o trabalho e... Oh, eu deveria contar que havia uma soprano, e ela contava a história dos sete pecados capitais. Portanto, o nosso trabalho como atores era o de contar a história através dos nossos corpos, era como se fôssemos atuar em um filme de cinema mudo, quase no mesmo estilo, esse tipo de estilo expansivo, o vaudeville. Então, nos ensaios, nós trabalhamos muito, muito rapidamente, espontaneamente, fisicamente. Eu realmente acredito que nós nunca poderíamos ter feito esse espetáculo se nunca tivéssemos trabalhado juntos antes. Não poderíamos ter feito isso se não nos conhecêssemos uns aos outros; foi ali que o treinamento em Viewpointsrealmente mostrou a que veio.
Anne tem uma frase, ela diz apenas: “Cinco, seis, sete, oito, VAI!” 
E foi exatamente como nós trabalhamos. Nem sempre, mas nessa produção foi exatamente assim. No primeiro dia nós trabalhamos no prólogo, no dia seguinte trabalhamos no primeiro pecado... A única coisa que tínhamos, como não éramos cantores, era uma espécie de arquétipo. Então você era a “coquete”, e você era o “chefe”, e você era o “amante”, e eu era o “poeta” - tínhamos um arquétipo para trabalhar; só isso. E em cada cena nós criamos relações, sobre as quais nunca falávamos, mas que eram criadas fisicamente, porque se eu estou interpretando o poeta eu tenho uma ideia de como eu poderia me relacionar com o chefe - e assim nós nunca conversávamos sobre as relações, nós só trabalhávamos fisicamente e a cada dia criávamos uma cena diferente.
Lembrei-me de uma citação do Stanislávski que eu realmente amo, ele disse: "você deve ensaiar uma peça em duas semanas ou dois anos". Pois bem, basicamente a gente fez essa em duas semanas.
O que é interessante nisso é que nós não tivemos tempo para ficar presos nas nossas cabeças; foi uma das maiores lições de atuação que eu já tive, trabalhar nessa ópera. Porque por ir, “cinco, seis, sete, oito: - VAI!", o meu corpo fez escolhas que, provavelmente, a minha mente nunca teria imaginado.
Agora, não me interpretem mal, houve conversa, porque a meio caminho, a gente ficou emperrado. O que nós criamos, para onde estamos indo, como vai acabar? E estava certo ao ficar emperrado, naquele momento, porque no meio dessa ópera, a canção do meio, era a capela. Portanto, há uma estrutura, na ópera, que significa que tudo depois desse momento vai mudar. Veja só, lá estava a estrutura nos contando sobre a atuação, de certa forma. Assim, após cerca de dez dias, onze dias, nós montamos a peça, e voltamos para o começo.
Aqui foi a segunda lição de atuação: tive que rever as escolhas malucas que eu tinha feito, e que cada um tinha feito, no começo daqueles ensaios. E eu tenho que dizer que nós não editamos muito, tentamos manter o que tínhamos feito, e para mim a lição de atuação era: como fazer aquilo ter vida, como fazê-lo respirar. E é isso, para mim isso se relaciona com o treinamento em Viewpoints, que pede para que a gente se mantenha desperto dentro de uma estrutura.
Acho que isso é suficiente. Obrigado.
Links para ouvir esta palestra no Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=UNCNCTRbQYs (parte 1)
http://www.youtube.com/watch?v=_9v6zxwdVXY (parte 3)




Notas
1 Mary Overlie (1946) idealizou “Os Seis Viewpoints”, que compreendem: Espaço; Forma; Tempo; Emoção; Movimento e História. Disponível em: . [N.E.].
2 Donnie Mather não cita o viewpoint físico da Repetição, conforme Anne Bogart e Tina Lindau. Observe-se ainda a ausência de cincoviewpoints vocais, que compreendem: Altura; Dinâmica; Aceleração/Desaceleração; Silêncio e Timbre. Ver com detalhes em: LANDAU, Tina and BOGART, Anne. The Viewpoints book: a practical guide to viewpoints and composition. New York: Theatre Communications Group, 2005. [N.E.].
DONNIE MATHER é ator, professor e co-fundador do Collective Intelligence Arts. Como ator, foi artista associado à SITI Company de Anne Bogart (2000-2007). Começou sua relação com a SITI Company em 1995, treinando por muitos anos em técnica Viewpoints e no Método Suzuki, e, ao final, atuando em muitas das produções da companhia. Passou três temporadas no Shakespeare Theatre of New Jersey (1999-2001). Como professor vem ministrando cursos em New York University, Columbia University, Bard College, The New SchoolFordham University, University of Puerto Rico e em Bogotá, Colombia. Tem Bacharelado em Teatro com um minor em Dança na Western Kentucky University e faz atualmente parte do corpo do

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PEDAGOGIA
Michel Foucault
Por meio de uma análise histórica inovadora, o filósofo francês viu na educação moderna atitudes de vigilância e adestramento do corpo e da mente
01/07/2011
Texto 
Márcio Ferrari


          Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984.

          Poucos pensadores da segunda metade do século 20 alcançaram repercussão tão rápida e ampla quanto o francês Michel Foucault. Por ter proposto abordagens inovadoras para entender as instituições e os sistemas de pensamento, a obra de Foucault tornou-se referência em uma grande abrangência de campos do conhecimento. Em seus estudos de investigação histórica, o filósofo tratou diretamente das escolas e das idéias pedagógicas na Idade Moderna. Além disso, vem inspirando uma grande variedade de pesquisas sobre educação em diversos países. “Foi Foucault quem pela primeira vez mostrou que, antes de reproduzir, a escola moderna produziu, e continua produzindo, um determinado tipo de sociedade”, diz Alfredo Veiga-Neto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

          Em vez de tentar responder ou discutir as questões filosóficas tradicionais, Foucault desenvolveu critérios de questionamento e crítica ao modo como elas são encaradas. A primeira conseqüência desse procedimento é mostrar que categorias como razão, método científico e até mesmo a noção de homem não são eternas, mas vinculadas a sistemas circunscritos historicamente. Para ele, não há universalidade nem unidade nessas categorias e também não existe uma evolução histórica linear. O peso das circunstâncias não significa, no entanto, que o pensador identificasse mecanismos que determinam o curso dos fatos e os acontecimentos, como o positivismo e o marxismo.

          Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o iIuminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra ou de um lugar para outro, dependendo de suas interações.

Disciplina e modernidade
          
          Foucault concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, a disciplina – um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos – como família, hospitais, prisões e escolas –, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição. Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações – tendo como elemento unificador a hierarquia. “As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas”, diz Veiga-Neto.

          O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte – como o Estado ou as classes dominantes –, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e vice-versa. “Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos”, explica Veiga-Neto.

Arqueologia do saber
          
            A contestação e a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc. Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.

A docilização do corpo no espaço e no tempo

       Para Foucault, a escola é uma das "instituições de seqüestro", como o hospital, o quartel e a prisão. "São aquelas instituições que retiram compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam etc.", diz Alfredo Veiga-Neto. Com o advento da Idade Moderna, tais instituições deixam de ser lugares de suplício, como castigos corporais, para se tornarem locais de criação de "corpos dóceis".

          A docilização do corpo tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é o panóptico, idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832): uma construção de vários compartimentos em forma circular, com uma torre de vigilância no centro. Embora não tenha sido concretizado imediatamente, o panóptico inspirou o projeto arquitetônico de inúmeras prisões, fábricas, asilos e escolas. Uma das muitas "vantagens" apresentadas pelo aparelho para o funcionamento da disciplina é que as pessoas distribuídas no círculo não têm como ver se há alguém ou não na torre. Por isso, internalizam a disciplina. Ampliada a situação para o âmbito social, a disciplina se exerce por meio de redes invisíveis e acaba ganhando aparência de naturalidade.

Para pensar
          
           É comum a educação ser encarada como um valor único, invariável e redentor. Mas Foucault a via enredada em seu contexto cultural. Por isso, o ensino que em uma época é considerado a salvação do ser humano, em outra pode ser visto como nocivo. Você já pensou nas implicações políticas e sociais da educação atual, com base em sua experiência? O professor brasileiro leva em conta as conclusões ao planejar o trabalho em sala de aula?
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