terça-feira, 6 de agosto de 2013

Teatro/CRÍTICA

"O controlador de tráfego aéreo"


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Em busca da felicidade


Lionel Fischer



Tendo como ponto de partida a dramática história real de Silvano Monteiro, que durante muitos anos trabalhou como controlador de tráfego aéreo e após ser afastado do cargo morou nas ruas e acabou tornando-se ator, a Cia. Alfândega 88 acaba de lançar seu mais novo espetáculo, que além de exibir depoimentos do próprio Silvano reúne fragmentos de "O mal estar da civilização" (Freud), "Utopia" (Thomas Morus), crônica publicada no jornal Zero Hora (Porto Alegre), crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo, "Ralé" (Gorki), "Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis), "Rei Lear" (Shakespeare) e um texto sobre câncer de pâncreas. 

Com dramaturgia, concepção cenográfica e direção assinadas por Moacir Chaves, o espetáculo chega à cena (Teatro Serrador) com elenco formado por Danielle Martins de Farias, Fernando Lopes Lima, Kassandra Speltri, Leonardo Hinckel, Luisa Pitta, Rafael Mannheimer e Silvano Monteiro.

Pelo exposto no primeiro parágrafo, o leitor/espectador pode ficar com a sensação de que a mescla de temas aparentemente tão díspares poderia resultar em um espetáculo muito confuso. Mas não é o que ocorre. E aqui reproduzo o excelente texto de Silvana Cardoso (assessora de imprensa), que consta do release que me foi enviado:

"A partir dos encontros e desencontros de uma trajetória específica, a peça é uma reflexão sobre a corrida que cada um de nós empreende em busca da felicidade. Como conseqüência dessa reflexão, somos levados a pensar a vida em sociedade, a relação entre os indivíduos e as instituições criadas pela civilização, que terminam por se tornar um estorvo para a realização plena das subjetividades".

Como é óbvio, o texto acima não é de minha autoria. Mas com ele concordo inteiramente. E acho totalmente pertinente a ideia de se partir de um caso isolado para, aos poucos, abordar temas que, direta ou indiretamente, dizem respeito a todos nós. Albert Camus afirmou que "os homens morrem e não são felizes". Mas por que a tão almejada felicidade parece cada vez mais inatingível? Será que nada podemos fazer para alterar este sombrio quadro? 

É possível que um mundo utópico seja inviável, mas persegui-lo não se resume a mera necessidade, mas a uma questão de sobrevivência. Posso estar enganado, mas muito mais relevante do que multiplicar os peixes seria aprendermos a repartir o pão. Num mundo que na imundície cada vez mais se afunda, de que serve, com lama até o pescoço, manter limpas as unhas nas pontas dos dedos?  

Quanto ao espetáculo, uma grande mesa central constitui a cenografia. Em torno dela, sentam-se em roda atores e espectadores.
E as narrativas se sucedem, às vezes em forma de depoimento, às vezes mais interpretadas. E a tudo assistimos usufruindo, com a mesma intensidade, a mescla de humor e dramaticidade dos textos apresentados, ditos e vividos com extrema clareza por um elenco coeso. Moacir Chaves consegue, aqui, através de uma dinâmica cênica que prioriza a austeridade, uma impactante teatralidade. Sem dúvida, um dos espetáculos mais interessantes da atual temporada.

Na equipe técnica, considero excelente a despojada cenografia do diretor, a mesma excelência presente na sombria iluminação de Aurélio de Simoni, na direção musical de Silvano Monteiro e nos figurinos de Inês Salgado.

O CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO - Dramaturgia e direção de Moacir Chaves. Com a Cia. Alfândega 88. Teatro Serrador. De terça a domingo, às 19h.

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