segunda-feira, 24 de junho de 2013

PLANCHON, UMA VIDA QUE SE CONFUNDE COM O MELHOR TEATRO


Deolinda Vilhena

           Com as mortes de Jean Vilar, em 1971, e de Jean-Louis Barrault, em 1994, Roger Planchon (1931-2009) tornou-se o último dos moicanos ou a última testemunha viva do teatro francês do pós-guerra e do Teatro Nacional Popular dos anos de ouro (1950-1960). Ele foi durante mais de meio século uma personalidade emblemática do teatro francês. O mestre de toda uma geração. A referência. Com sua morte, uma das mais importantes etapas da história do teatro contemporâneo chega ao fim.

          E pensar que, ainda outro dia, o “encenador-cowboy”, como ele se apresentava lembrando suas origens rurais – da região de Ardêche, estava em cena. Na verdade entre 4 de março e 19 de abril ele esteve no palco do teatro Silvia-Monfort em Paris, com a peça “Amédée ou comment s’en débarrasser”, ao lado da mulher, a atriz Colette Dompietrini, festejando a sua maneira os 100 anos de nascimento de Ionesco, que ele bem conhecera no começo de sua aventura na Lyon dos anos 50. Encenador, diretor de teatro, ator, autor e cineasta, Planchon morreu em casa, “trabalhando” como disse seu filho Stéphane aos jornais, pois que estava lendo uma peça de teatro, quando se sentindo cansado, deitou-se e o coração o traiu.

           Planchon antes mesmo de completar 20 anos de idade construiu em uma cave de 90 lugares o seu primeiro teatro, em Lyon, onde ao lado de Jean Bouise, Isabelle Sadoyan e Jacques Rosner, montou Ionesco, Brecht, Vitrac, Adamov e Michel Vinaver. Três anos mais tarde queria mais e troca Lyon por Villeurbanne, onde o prefeito Etienne Gagnaire, coloca à sua disposição o Teatro da Cidade Operária de Villeurbanne, mais tarde simplesmente Teatro da Cidade, que, em 1972, passar a ser o Teatro Nacional Popular. O TNP, sigla prestigiosa que pertencia a Jean Vilar e que o Ministério da Cultura transferiu a Roger Planchon por considerá-lo o único digno de receber esta herança.

          Dono de um senso político sem igual foi de forma bem natural que o “patrão” do TNP transformou-se num dos líderes do movimento de Maio de 1968. Não por acaso a Declaração que discute o futuro dos profissionais de teatro na França é assinada em Villeurbanne.

          Em 1971, ele inova mais uma vez trazendo Patrice Chéreau para co-dirigir o teatro de Villeurbanne em sua companhia. Uma parceria que durou dez anos e que Planchon renovaria entre 1986 e 1996, dessa vez ao lado de Georges Lavaudant. Filhos que ele escolheu e hoje, choram sua morte.

          Chéreau no Le Monde datado de 13 de maio diz assim: “um dia, este senhor decidiu – algo que foi copiado mais tarde – que íamos dirigir um teatro juntos, ele e eu, o seu teatro. Que num teatro, havia a necessidade de anexar ao diretor uma criança insuportável que tornaria sua vida difícil. Foi a grande aventura do TNP em Villeurbanne, com Robert Gilbert. Dirigir um teatro, em igualdade de condições, eu que começava e trabalhava então na Itália, e ele, instalado nesta cidade há quase vinte anos. Ele me deu as chaves de sua casa para compartilhá-la e sacudi-la. Foi o que eu fiz. Pensávamos que ele era incansável, nos enganamos. Obrigado a você, Roger, que sempre acreditou nos poderes maravilhosos do teatro e nos fez compartilhá-los”.

           O TNP foi a sua vida. Ele o deixou recentemente, prestando muita atenção a sua sucessão. Como Jean Vilar, Roger Planchon defendia um teatro “serviço público”, um teatro de alta exigência literária, poética e tinha o mais profundo respeito para com o público.

           Fez do teatro de Villeurbanne, dos primórdios até hoje, com Christian Schiaretti como seu sucessor e com o edifício em obras, um dos locais mais importantes da criação teatral na Europa. Lá Planchon encenou e acolheu os maiores dos maiores: Pina Bausch, Bob Wilson, Kantor, Matthias Langhoff. O renome internacional do TNP fez com que os grandes encenadores o incluíssem como parada obrigatória em suas turnês.

          Entenderam o porquê da minha paixão por Planchon? Pois é, mas ela vai, além disso. Tem a ver com minha paixão pela França, pelos seus ideais revolucionários, pela divisa de Liberdade, Igualdade, Fraternidade; pelo temperamento brigão do francês médio que, o sempre cordeiro, povo brasileiro confunde com mau humor, e que me fazia rir nas filas do supermercado vendo o bate boca porque o caixa do supermercado não tinha um centavo de euro para dar de troco ao cliente, que se sentia lesado e não podia admitir isso, coisa que aqui acontece diversas vezes ao dia, e quando penso nas nossas diferenças penso sempre numa frase, infelizmente desconheço o autor, que diz assim: “um povo que não luta pelos seus direitos verdadeiramente não merece tê-los”. Na França eles não vacilaram e cortaram a cabeça do Rei; quando cortaremos ao menos a cabeça dos nossos vereadores, deputados estaduais e federais, senadores???

          Talvez, isso explique porque o Brasil chega ao século XXI sem ter sido capaz de fazer a sua revolução. A não ser que levem a sério a piada que chama o Golpe Militar de 64 de Revolução. E eu, ingênua, ainda sonho em ver em prática uma verdadeira política cultural que livre nosso teatro desses ares de eterno e moribundo mendigo… tolinha que sou!
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Deolinda Vilhena é jornalista, produtora, Doutora em Estudos teatrais pela Sorbonne, pós-doutoranda em Teatro na ECA/USP com bolsa da FAPESP. Artigo postado no blog PATCHWORK CULTURAL em 15/05/2009



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