sábado, 30 de março de 2013

Teatro/CRÍTICA


"Calango Deu - Os causos da Dona Zaninha"

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Deliciosa viagem através da memória



Lionel Fischer



Se é verdade que não podemos alterar nosso passado, por outro também é certo que dele podemos fazer o que quisermos. Se optamos por priorizar o que poderíamos ter sido e não fomos, o que deveríamos ter feito e não fizemos, nosso presente se afigura como melancólico e nosso futuro incerto. Mas se conseguimos perceber que, ao menos em princípio, todos nós vivemos alguns momentos maravilhosos (ainda que não detectados no instante vivido), aí então estamos aptos a empreender uma deliciosa viagem através da memória e dela extrair preciosas lições, capazes de promover inesperadas transformações, sobretudo quando compartilhadas. 

Como se sabe, nutrimos a singular tendência de acreditar que a vida só faz sentido desde que recheada de acontecimentos apoteóticos, o que nos impede de perceber e usufruir as verdadeiras apoteoses - uma manhã de primavera, o canto de um pássaro, o sabor de um doce, uma conversa aparentemente despretenciosa etc. E são esses pequenos causos, dentre muitos outros, que conferem particular encanto a "Calango Deu - Os causos da Dona Zaninha", em cartaz no Teatro Café Pequeno. Com texto, atuação e direção musical de Suzana Nascimento, a peça chega à cena com direção de Isaac Bernat.

Inspirada nas simpáticas senhorinhas mineiras, a protagonista, Dona Zaninha, convida a plateia para uma despretenciosa conversa, durante a qual conta passagens de sua vida e de uma infinidade de pessoas que conheceu. Valendo-se de um vocabulário delicioso, de brejeira malícia e de uma sabedoria que dispensa qualquer resquício de erudição, a personagem conquista o público desde o primeiro momento, com ele estabelecendo uma relação de total cumplicidade.

E esta também se dá à medida que, ao que suponho, aos poucos a plateia vai percebendo que Suzana Nascimento também está falando de si mesma, do seu passado, de sua família, com doses equivalentes de ternura e humor crítico. E se a esta comovente sinceridade somarmos o notável talento da atriz, tanto nas passagens faladas como naquelas em que canta maravilhosamente, acompanhando a si mesma ora com um bandolim, ora com um pandeiro, o resultado só poderia ser um inesquecível encontro entre a intérprete e os espectadores.

Mas é óbvio que tal encontro também é fruto da maravilhosa direção de Isaac Bernat que, abstendo-se de marcações mirabolantes, priorizou o simples, que aqui não deve ser entendido com simplório. 
Tudo no espetáculo esbanja humor e poesia, delicadeza e humanidade, sempre priorizando o perfeito entendimento de todos os conteúdos implícitos. Isto posto, só me resta desejar que o ótimo ator que é Isaac Bernat continue cada vez mais investindo em sua carreira de diretor. O teatro carioca lhe será eternamente grato.

Na equipe técnica, Desirée Bastos responde por um figurino belíssimo, e o cenário que também assina é uma preciosidade - todos os móveis e objetos nos remetem a um passado simultaneamente real e encantatório. A mesma eficiência se faz presente na impecável direção de movimento de Marcelle Sampaio, sem dúvida determinante para a precisão e inventividade do gestual da intérprete. Também irrepreensíveis a preparação e supervisão musical de Pedro Amorim e a delicada e expressiva iluminação de Aurélio de Simoni. Cabe ainda ressaltar o lindo projeto gráfico de Raquel Alvarenga.

CALANGO DEU - OS CAUSOS DE DONA ZANINHA - Texto e atuação de Suzana Nascimento. Direção de Isaac Bernat. Teatro Café Pequeno. Sexta a domingo, 20h.









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