segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Plath, um mar se move em meus ouvidos"

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A dor de existir


Lionel Fischer


Poeta, contista e romancista, a norte-americana Sylvia Plath (1932-1963) é reconhecida pricipalmente por sua obra poética, com destaque para "Ariel" (obra póstuma), e "Poemas", que me parece que serviram de suporte para o presente espetáculo. A autora também escreveu o romance "A redoma de vidro", de cunho autobiográfico, com o pseudônimo de Victoria Lucas, no qual aborda, dentre outros temas, sua luta contra a depressão. Plath suicidou-se em Londres - tomou uma grande quantidade de narcóticos e enfiou a cabeça dentro do forno. 

Em cartaz na Sala Henrique Roxo (IPUB/UFRJ), "Plath, um mar se move em meus ouvidos" tem dramaturgia assinada por Maurício Arruda de Mendonça e marca a estreia como diretora da atriz Ana Lucia Torre. No elenco, Natasha Corbelino (idealizadora do projeto) e Susanna Kruger. Também participaram da pesquisa a psiquiatra e psicanalista Silvia Jardim, a psicanalista Marci Dória Passos, o poeta Ramon Mello e a estudante Gabriela Dottori.

Mesmo não sendo psiquiatra ou psicanalista, pelo que li da obra de Plath e conheço de sua história pessoal, ouso arriscar um diagnóstico, que provavelmente fará rir os especialistas: a dor de existir. Eu modestamente a defino como um estado imune a todos os tratamentos, posto que nada tem a ver com angústias definidas ou mazelas advindas dos clássicos conflitos que todos temos que enfrentar. É algo ligado a um permanente desconforto, a uma sensação de que nada pode ser suficiente, que coisa alguma é capaz de preencher o vazio que o tempo só faz esgarçar. Na peça "Caligula", de Albert Camus, o imperador enlouquece porque não pode ter a lua, ou seja, o impossível. Não sei que luas Sylvia Plath desejaria possuir, mas certamente não lhe foram acessíveis.

Maurício Arruda de Mendonça escreveu um belo texto, que basicamente gira em torno de múltiplas dualidades da artista. Como ser mãe e esposa dedicada, e ao mesmo tempo criar uma obra potente e universal? Como equacionar impulsos tão contraditórios que a habitavam? Poderia a melancolia ser transcendida através da poesia? Enfim...essas e muitas outras questões estão presentes no texto, que utiliza como fio narrativo a própria obra de Plath, gerando um resultado de grande impacto existencial e poético. 

Com relação ao espetáculo, Ana Lúcia Torre impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Na pequena sala-anfiteatro em que se dá a ação, as brancas paredes estão preenchidas por palavras, frases e fragmentos de poemas, sendo que ao longo da montagem palavras são apagadas (às vezes literalmente arrancadas) e outras escritas - sem dúvida uma bela metáfora do permanente processo de negação e afirmação que imagino que assolava a escritora.

E sendo Ana Lúcia Torre uma excelente atriz, em nada me surpreende que tenha extraído ótimas atuações de Natasha Corbelino e Susanna Kruger. Ambas evidenciam não apenas grandes recursos expressivos, mas sobretudo notável capacidade de entrega a um universo impregnado de dor, perplexidade e desamparo. E também exibem aquele tipo de contracena que só existe quando os intérpretes acreditam inteiramente na validade do texto e do espetáculo, e confiam plenamente um no outro. Como sustenta Peter Brook, o teatro é a arte do encontro. E é sem dúvida belo e poderoso o encontro entre Natasha Corbelino e Susanna Kruger.

Na equipe técnica, já mencionei a bela e expressiva ambientação, a cargo de Nena Balthar e Lucia Vignolli. Mas cabe também ressaltar a ótima direção de movimento de Fabianna Mello e Souza, a expressiva iluminação de Ana Kutner, a instigante trilha sonora de Rafael Rocha e o charmoso programa criado por Luciana de Oliveira.

PLATH, UM MAR SE MOVE EM MEUS OUVIDOS - Texto de Maurício Arruda de Mendonça. Direção de Ana Lucia Torre. Com Natasha Corbelino e Susanna Krugger. Sala Henrique Roxo (IPUB/UFRJ). Sábado às 21h, domingo às 19h.

 


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