segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Absurdo"

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Aniversário em grande estilo


Lionel Fischer



"Um paradoxo: duas casas em uma casa. Um filho de duas famílias. Fora dessas casas, um mundo tão perigoso que quase ninguém mais consegue sair. Separados ou unidos por uma mesma mesa, temos um homem que não suporta a própria companhia e uma mulher aprisionada por obsessões cotidianas. O casal tenta comemorar 20 anos de casamento. Um outro homem procura a casa perdida há vinte anos. Enquanto não a encontra, vive há muito tempo com uma outra mulher que não tem objetivo, nunca muda e está sempre diferente. E um filho que nunca saiu de casa e quer conhecer o mundo."

O trecho acima, extraído do programa oferecido ao público e assinado por Daniel Herz, sintetiza o contexto em que se desenrola a trama de "Absurdo", criação coletiva da Cia. Atores de Laura que ora comemora vinte anos de estrada. Em cartaz no Teatro Ipanema, a montagem leva a assinatura de Herz e tem elenco formado por Ana Paula Secco, Anderson Mello, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Verônica Reis.

Como imagino que muitos leitores/espectadores - sobretudo os mais jovens - não saibam exatamente o que é o chamado Teatro do Absurdo, julgo procedente tecer algumas considerações sobre o mesmo, o que também acredito que poderá enriquecer a relação da plateia com o espetáculo.

Teatro do Absurdo é uma expressão cunhada pelo crítico inglês Martin Esslin (1918-2002) no fim da década de 1950 para abarcar peças que, surgidas no pós-Segunda Guerra Mundial, tratam da atmosfera de desolação, solidão e incomunicabilidade do homem moderno por meio de alguns traços estilísticos e temas que divergem radicalmente da dramaturgia tradicional realista. Trata-se, porém, não de um movimento teatral organizado, tampouco de um gênero, mas de uma classificação que visa destacar uma das tendências teatrais mais importantes da segunda metade do século XX.

Isso posto, alguém poderia indagar: "Mas se o mundo atual, em termos sociais, econômicos e políticos já não é o mesmo do pós-Segunda Guerra Mundial, qual a razão de se escrever um texto estruturado a partir das mesmas premissas?". Sem dúvida, o mundo mudou. Mas será que as mudanças contribuíram para minimizar a solidão humana? Será que a dificuldade de comunicação entre as pessoas é menor agora do que há setenta anos? Será que finalmente conseguimos expressar, através das palavras, exatamente o que sentimos, delas eliminando a ambigüidade que lhes é inerente? 

Em minha opinião, não. Toda a tecnologia atualmente disponível e supostamente criada para integrar as pessoas, na verdade só contribui para sedimentar a ilusão de que não estamos sozinhos.  Pensemos no Facebook. Numa hipótese modesta, acredito que 99% da humanidade acima da linha da miséria tenha o seu. E cada usuário possui centenas, às vezes milhares de "amigos", sempre prontos a fazer confissões e a trocar experiências. No entanto, caso o usuário se sinta angustiado e precise desesperadamente de um amparo real, presente, físico, quantos virão consolá-lo?

Assim sendo, me parece totalmente válida a proposta dos Atores de Laura de escrever um texto que tem como protagonistas não exatamente os personagens exibidos, mas a Palavra e a Incomunicabilidade. Como afirma Daniel Herz no programa, "...a palavra mente por jamais compreender um sentido único para o que se diz". E também: "O absurdo da incomunicabilidade. Quanto mais íntimos, mais distantes. Quanto mais conhecemos alguém, mais se abre um abismo de desconhecimento".

Mas que não se imagine que estamos diante de um texto "cabeça", hermético, inacessível e, portanto, insuportável. Muito pelo contrário. O humor se faz presente em inúmeras passagens e o riso, no presente caso, é um elemento facilitador do entendimento, ainda que este possa se dar em variados níveis, dependendo da capacidade do espectador de apreendê-lo.

Muito bem escrito, contendo situações exemplarmente trabalhadas do ponto de vista dramatúrgico, "Absurdo" recebeu irretocável versão cênica de Daniel Herz, tanto no que diz respeito à criatividade das marcações quanto no que concerne aos tempos rítmicos. Afora isso, Herz conseguiu extrair performances maravilhosas do elenco, que se entrega com total alegria e incontestável competência ao jogo teatral, que sempre foi e continua sendo uma premissa essencial deste grupo tão talentoso e fundamental para a vida cultural da cidade. Que venham, pois, no mínimo mais vinte anos de atividade. Todos os que amam o teatro de antemão agradecem.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Marcia Rubin (direção de movimento), Aurélio de Simoni (iluminação), Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque (cenografia), Patricia Muniz (figurino), Lucas Marcier e Fabiano Krieger (direção musical), Ricardo Moreno (visagismo) e Evelyn Disitzer (consultoria psicanalítica).

ABSURDO - Texto Cia. Atores de Laura. Direção: Daniel Herz. Com Ana Paula Secco, Anderson Mello, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Verônica Reis. Teatro Ipanema. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.    


       

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