quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Erasmo de Rotterdam


          Erasmo Desidério, ou Erasmo de Rotterdam, como ficou conhecido devido ao seu local de nascimento, ou, ainda, Voltaire Latino, apelido que lhe foi dado em virtude de suas críticas à Igreja católica, é uma figura central para se entender as transformações pelas quais passou a fé religiosa e o pensamento ocidental, da Idade Média à época moderna.


          Nasceu em meados do século XV, como fruto da ligação ilícita entre um padre e uma moça, e recebeu uma forte educação religiosa e latinista. Com o objetivo de estudar e subsistir, abraçou o sacerdócio por volta de 1492 (para abandoná-lo logo depois) e em Paris, na Sorbonne, aprimorou-se no pensamento clássico. Viajou e lecionou em vários países, como Inglaterra (Cambridge), Bélgica e Espanha, sendo recebido por outros estudiosos e por nobres.


          Ao longo desta carreira teológica e acadêmica, a natureza pacifista de Erasmo foi imersa nos manuscritos escolásticos e nos detalhes dos dogmas católicos, de modo que, desta imersão, o que veio à tona foi a percepção - vista de dentro - das contradições e do pensamento obsoleto da Igreja católica. Erasmo, como humanista que era, acreditava que a razão tinha de ser de utilidade ao homem (e não o contrário), e, assim, criticava com ferocidade teólogos e filósofos que, através de uma retórica vazia e hermética, perpetuavam o pensamento das trevas e defendiam uma fé católica artificial e incoerente.


          Se opôs à violência do reformista Lutero, pois acreditava que o catolicismo devia ser reformado internamente, sem cismas nem sangue. Diferentemente do pastor alemão, que pregava em meio ao povo, Erasmo pertencia à República dos letrados, casta nascente que começava a reivindicar suas prerrogativas, acreditando no futuro de uma humanidade guiada pelas luzes da razão. É o apóstolo de uma mudança suave, dotado de uma visão evolucionista.


           A sua obra mais importante do ponto de vista teólógico é Colóquios. Mas é em Elogio da Loucura, escrita em 1501, que Erasmo chega às raias com sua veia satírica, recheando de humor os absurdos da filosofia, da fé e, mais universalmente, do comportamento humano - sendo, deste modo, totalmente acessível ao leitor leigo. O texto foi escrito na Inglaterra, na casa do pensador Thomas Moore (que, não por acaso, verteu seu pacifismo na obra Utopia, na qual esboçava uma sociedade na qual todas as nações e todos os homens viveriam em paz).


          Quem fala, em Elogio da Loucura, é a própria Loucura. A insanidade demonstra como está presente na vida dos homens e tudo que estes a ela devem, pois é ela, a Loucura, e ninguém mais, que move o mundo. O que, na verdade, o humanista Erasmo faz é nos convidar a observar - com humor e compaixão, além de identificação - a natureza humana e suas fraquezas, de modo a nos adaptarmos racionalmente a ela.


          Nas suas inúmeras referências a divindades antigas, o que se vê é uma estocada ao pensamento ortodoxo católico; quando escreve "A verdadeira prudência consiste, já que somos humanos, em não querer ser mais sábios do que nossa natureza o permite", Erasmo fala aos seus pares filósofos e teólogos que deixavam que a obsessão pela verdade única e incontestável cegase-lhes os olhos frente à realidade complexa.


          Em 1542, seis anos após sua morte, aquele que era um dos intelectuais mais célebres e respeitados da sua época, o astro em torno do qual gravitava tudo o que a Europa contava de melhor, é decretado pelos teólogos da Sorbonne como "louco, insensato, injurioso a Deus, a Jesus Cristo, à Virgem, aos Santos, às prescrições da Igreja, às cerimônias eclesiásticas, aos teólogos, às ordens mendicantes".


          Erasmo acabou por ser visto como a ave que incubou o ovo do qual saiu a Reforma. E o próprio Elogio não era, certamente, desprovido de vontade reformadora. Mas como o que ele apresentava era uma purgação que devia ocorrer no seio da Igreja católica (ao passo que Lutero procedeu à amputação), Erasmo - intelectual que tinha horror a toda idéia cismática - anunciava, antes, o espírito da Contra-Reforma.


           Outras de suas obras são: Adágios, Desprezo do Mundo e De libero arbitrio.
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Extraído de Elogio da Loucura, L&PM POCKET, tradução de Paulo Neves.

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