quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Bernardo Jablonski (2)

Ronald Fucs

Por algum motivo eu sinto que tenho a obrigação de escrever isso. Como se eu mesmo não soubesse. Como se só escrevendo e lendo o que escrevi eu possa acreditar que isso aconteceu mesmo:
Meu amigo Bernardo morreu.

Leio essa frase de novo e de novo e de novo, sinto um nó na garganta e custo a acreditar que pude escrever isso. É quase impensável.

Mas é verdade: meu amigo Bernardo morreu.

Ele era mais do que meu amigo: era parte da minha vida, como era parte da vida de tanta gente.

Agora, vamos ter de viver num mundo que não tem o Bernardo. O mundo agora é assim.

Conheço o Bernardo desde 1970. Fizemos algumas peças infantis juntos, e até parecia possível que fizéssemos carreiras paralelas, algo assim, até que ficou claro que ele tinha um grande talento para o teatro, e eu não. Ele continuou e eu parei.

Naquele época, ele era Bernardo, o engraçado. Dono de uma fantástica agilidade mental, fazia piadas e trocadilhos, brincava com tudo, acabava com a seriedade de qualquer situação, liquidava em segundos com qualquer pompa, qualquer formalidade. Nenhuma solenidade resistia ao seu humor e sua cara de pau.

Em "Tribobó City", uma vez, ele e Sergio Maron, outro improvisador fantástico, ambos vilões na peça, estavam em cena quando por gestos alguém da coxia avisou que o gravador estava quebrado e portanto a cena da dança que se seguiria ia ter que esperar até que dessem algum jeito. Alguém foi de táxi, acredite quem quiser, até o Teatro Ipanema, onde pegou um gravador emprestado, trouxe para o Tablado, instalou tudo e a música começou; pode-se imaginar o tempo interminável que levou essa operação. Pois esse tempo todo os dois ficaram improvisando uma discussão surrealista sobre a divisão percentual do ouro que planejavam roubar, para uma plateia que seguramente não desconfiou de nada, embora deva ter estranhado um pouco aquela cena...

Lembro de outro episódio: a defesa de tese do Bernardo na PUC, sobre "Catarse da agressão", um espetáculo humorístico indescritível. Ele matou de rir quem assistia e a banca examinadora. Alguém já viu uma banca examinadora explodindo em gargalhadas? Pois é. Podiam ter cobrado entrada para assistir. Pena que nada foi gravado, aquele dia incrível ficou apenas na memória. E foi um entre muitos, muitos outros.

Foi com o passar do tempo e a convivência que eu fui descobrindo aos poucos que Bernardo, o engraçado, era também Bernardo, o bom, o decente, o honesto, o inteligente, o amigo dedicado, sensível, generoso, sensato. E, superlativamente, o competente: ator sem igual, diretor brilhante, escritor inspirado.

E era ainda mais: uma personalidade difícil de definir, que atraía as pessoas de tal forma que bastava a sua chegada para tornar interessante e animar qualquer ambiente. Era, suponho, o que se chama de magnetismo, ou carisma. Acho que nesse magnetismo ou carisma, mais do que em todas as suas outras qualidades, está a explicação da verdadeira e generalizada comoção que sua morte, ainda tão difícil de acreditar, provocou.

Depois da sua última operação, quando por um dia Bernardo foi para uma espécie de UTI semi-intensiva, parecia que ele ia sair dessa, apesar da gravidade do seu estado. Pela última vez brincamos como durante 40 anos tínhamos brincado sobre tudo. Ele me perguntou como estava a minha pequena empresa, e eu disse: "Bem... está melhor do que você." Ao que imediatamente Bernardo respondeu: "O que não quer dizer grande coisa." Foi praticamente a nossa última conversa. Eu não imaginava. Voltou para a UTI, foi sedado e não acordou mais.

Agora, que jeito? O meu amigo Bernardo morreu. O ator, diretor, redator, psicólogo, humorista, professor... o meu amigo.

Agora vamos todos ter de viver nesse mundo sem graça, que não tem o Bernardo.

Adeus, meu amigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário