quinta-feira, 2 de junho de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Lição nº 18 - Romeu & Julieta"

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Múltiplos naufrágios



Lionel Fischer


"Um autor de teatro, a bordo de um trem rumo a Turim, recebe de um desconhecido um manuscrito do século XVI que conteria o texto original no qual Shakespeare teria se baseado para escrever Romeu e Julieta. O autor segue sua jornada errante pela Europa e, na medida em que a viagem prossegue, a leitura do manuscrito vai revelando novos trechos da história de Romeu e Julieta. Será que nas entrelinhas das histórias, no não-dito, no omitido, é possível compreender o destino trágico que se espera para o final? São mesmos trágicos os finais?

É a história de um autor, em declínio profissional, que tenta vender o suposto manuscrito de uma peça de Luigi Groto, La Hadriana, do século XVI, para conseguir glória e atenção. Será válida a autenticidade daquele manuscrito? O espectador acompanha os questionamentos do autor em paralelo à encenação do manuscrito. O autor teria em suas mãos o original, ou a falsa inspiração de Romeu e Julieta? Onde começa uma? Onde termina a a outra?"

Os trechos acima, extraídos do release que me foi enviado, resumem não apenas o enredo da peça, mas também algumas das principais questões por ela levantadas. De autoria de Doc Comparato, "Lição nº 18 - Romeu & Julieta" está em cartaz no Teatro Poeira. Lucas Marcier assina a direção do espetáculo, com a mesma supervisionada por Enrique Diaz, estando o elenco formado por Bianca Comparato, Bel Garcia, Thierry Trémouroux e Fabrício Belsoff.

Como dito no parágrafo anterior, o release resume o enredo e algumas das principais questões levantadas pelo personagem Autor. No entando, sendo elas vastas e diversificadas, vou tentar reduzí-las àquela que me parece a essencial. Salvo monumental engano de minha parte, o personagem Autor materializa na cena o criador do texto, Doc Comparato.

O primeiro indício de que tal hipótese possa ser verdadeira é uma breve passagem em que é citado um texto de Comparato, "Nostradamos", encenado no Rio de Janeiro há alguns anos e que, por uma série de razões que não cabe aqui detalhar, não obteve o sucesso que o autor esperava. Na realidade, a empreitada foi um fracasso e isto, certamente, deve ter levado Comparato a empreender uma série de reflexões.

Pode ter achado, por exemplo, injusta a avaliação de sua obra; pode ter concordado ou não com eventuais discordâncias sobre a mesma; mas ouso supor que seu sentimento primordial possa ter sido o de repensar se valeria ou não a pena continuar escrevendo para o teatro, partindo-se do pressuposto de que qualquer texto, até chegar à cena, sofre uma série de intermediações - a linha adotada pela direção, eventuais cortes, o trabalho dos atores, da equipe técnica etc. - que muitas vezes entram em choque com as expectativas do autor.

No entanto, e caso eu não esteja completamente equivocado, o grande personagem desta peça é Doc Comparato, cabendo ressaltar suas pertinentes reflexões sobre o sucesso, o fracasso, o processo de criação, a angustiante dúvida se vale mais a pena desistir ou continuar tentanto produzir etc. E sendo tais reflexões permeadas de ironia e dor, torna-se impossível não estabelecer algum tipo de cumplicidade com alguém que, a todo momento, ameaça tornar-se uma espécie de náufrago de si mesmo.

Quanto aos fragmentos exibidos da obra do fabuloso bardo, só consigo a eles conferir algum sentido na medida em que ambas as tramas, ainda que díspares, numa certa medida se equivalem - contrariando desejos antagônicos de suas respectivas famílias, Romeu e Julieta investem tudo numa paixão que só por milagre poderia consumar-se em toda a sua plenitude.

Mas ainda assim eles insistem, tentam contornar todos os obstáculos, buscam desesperadamente a felicidade da mesma forma que o Autor busca reconhecimento. E se o final configura-se como trágico, em ambas as tramas, para mim isso pouco importa, pois o que de fato nos move na vida é a esperança, é a crença de que devemos tentar materilizar nossos sonhos, mesmo que conscientes da impossibilidade de levar um barco sem temporais. Agindo de outra forma, acabamos nos convertendo em espectros, que nada mais fazem do que promover patéticas orgias sobre a campa das próprias sepulturas. 

Com relação ao espetáculo, e embora o mesmo contenha soluções  imprevistas e muito criativas, não sei até que ponto o espectador o acompanhará de forma, digamos, confortável, dada sua estrutura metalinguística, dados autobiográficos, referências ao processo de criação etc. Mas ainda assim, o diretor Lucas Marcier conseguiu criar uma dinâmica cênica instigante e que fornece material para muitas reflexões. E já que algumas linhas acima mencionei o termo "confortável", cumpre registrar que a arte, em geral, e o teatro, em particular, não são domínios afeitos ao "conforto". Ou seja: uma arte "confortável", que me perdoem os acadêmicos, pode ser o que quiserem, menos Arte.

No que concerne ao elenco, Bel Garcia exibe mais uma vez seu inquestionável talento e versatilidade, sendo sem dúvida uma das melhores atrizes de sua geração, cabendo mencionar o louvável fato de que jamais investe em "chaves" interpretativas que já deram certo. Em resumo: uma verdadeira mulher de teatro. Thierry Trémouroux, bem mais conhecidoo por seus trabalhos como encenador, revela-se um ator notável - forte presença cênica, carisma, excelente trabalho vocal e corporal, afora precisa noção dos tempos rítmicos. Bianca Comparato e Fabrício Belsoff, bem mais jovens e, portanto, menos experientes, ainda assim exibem performances seguras e convincentes.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as irretocáveis contribuições de Tomás Ribas (iluminação), Rita Comparato (figurinos), André Weller (cenografia), Lucas Marcier (direção musical), Renato Linhares (preparação corporal) e Leila Mendes (preparação verbal).

LIÇÃO Nº 18 - ROMEU & JULIETA. Texto de Doc Comparato. Direção de Lucas Marcier. Com Bianca Comparato, Bel Garcia, Thierry Trémouroux e Fabrício Belsoff. Teatro Poeira. Terças e quartas, 21h.       


  

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