terça-feira, 7 de junho de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Crônica da casa assassinada"

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Múltiplas e inexoráveis metástases


Lionel Fischer


Considerada a melhor obra do escritor mineiro Lúcio Cardoso (1912-1968), "Crônica da casa assassinada" exibe várias singularidades. Uma delas reside no fato de que o principal personagem é a casa, cujo inexorável apodrecimento equivale ao daqueles que a habitam. Outra diz respeito à estrutura narrativa, construída a partir de cartas, diários e confissões dos personagens, afora o desinteresse do autor de criar uma trama cuja progressão estivesse atrelada a causas capazes de gerar efeitos.

E mais uma infinidade de observações poderiam ser feitas sobre esta obra complexa e magistral, mas aí a presente crítica se converteria em um ensaio, fugindo aos seus objetivos - e também cumpre registrar que pessoas muito mais capacitadas do que eu já escreveram verdadeiros tratados sobre o livro, sendo, pois, mais conveniente consultá-los.

Com versão teatral assinada por Dib Carneiro e direção a cargo de Gabriel Villela, o romance "Crônica da casa assassinada", publicado em 1973, chega à cena (Teatro Maison de France) com elenco formado por Xuxa Lopes, Cacá Toledo, Flávio Tolezani, Hélio Souto Jr., Letícia Teixeira, Marco Furlan, Maria do Carmo Soares, Pedro Henrique Moutinho, Roggério Romera e Sérgio Rufino.

Para os que leram o livro, certamente ficou claro a maestria do autor na criação do clima de morbidez que envolve tanto os ambientes como as pessoas que os habitam, da mesma forma que a complexa narrativa, essencialmente trágica, sensorial e introspectiva, tem como epicentro a figura de uma mulher desconhecida.

Em contrapartida, para os espectadores que não leram o original talvez não seja fácil apreender todos os conteúdos em jogo, assim como usufruir a capacidade do autor de converter o descritivo em onírico e de adensar o psicológico no existencial. Seja como for, ainda assim a versão de Dib Carneiro possibilita um primeiro contato com uma obra fadada a eternizar-se, e quem sabe gerará no espectador um desejo de conhecer o livro, experiência da qual sairá certamente enriquecido. 

Quanto ao espetáculo, Gabriel Vilella impõe à cena um clima em total sintonia com a obra, criando belíssimas imagens e uma dinâmica que poderíamos definir como uma mescla do sagrado com o profano, cabendo ainda salientar a capacidade do encenador de estruturar suas marcas como se as mesmas, numa certa medida, estivessem inseridas num ritual litúrgico.

Com relação ao elenco, Xuxa Lopes valoriza de forma sensível e contundente as principais características da protagonista Nina - sua alma libertária presa a um corpo carcomido pelo câncer e sua surpreendente capacidade de produzir "metástases" em toda a casa e em todos que nela habitam. Outro destaque fica por conta da instigante performance de Sérgio Rufino na pele de Timóteo, homossexual delirante e provavelmente o mais lúcido dos personagens. Quanto aos demais intérpretes, todos executam seus papéis com segurança, mas de uma forma um tanto parecida - tons de voz muito altos e ausência de maiores nuances.

Na equipe técnica, Marcio Vinicius assina uma cenografia deslumbrante, sendo igualmente maravilhosos os figurinos de Gabriel Villela. Domingos Quintiliano ilumina a cena de forma a enfatizar todos os climas emocionais em jogo, cabendo ainda destacar a trilha sonora criada pelo diretor.

CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA - Texto de Dib Carneiro, baseado no romonce de Lúcio Cardoso. Direção de Gabriel Villela. Com Xuxa Lopes, Cacá Toledo e grande elenco. Teatro Maison de France. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.

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