sexta-feira, 20 de maio de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Bartleby, o escriturário"

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Montagem imperdível na Laura


Lionel Fischer


Além de poeta e ensaísta, o norte-americano Herman Melville (1819-1891) escreveu onze romances - dentre eles o extraordinário "Moby-Dick" - e seis contos, sendo "Bartleby, o escriturário", um dos mais instigantes. Narrado na primeira pessoa por um advogado e ambientado em seu escritório, este funciona com monótona eficiência, com apenas três funcionários: dois copistas e um office-boy. No entanto, a placidez de tal rotina é quebrada a partir do momento em que é contratado um novo funcionário, Bartleby, que a tudo responde com um enigmático "prefiro não". 

Mais recente produção da Cia. Dramática de Comédia, "Bartleby, o escriturário" (Casa de Cultura Laura Alvim) chega à cena com adaptação e direção de João Batista e elenco formado por Gustavo Falcão (Bartleby), Duda Mamberti (Advogado), Claudio Gabriel (Turkey, alcoólatra que trabalha bem até o meio-dia, tornando-se a partir daí extremamente mal humorado), Eduardo Rieche (Nippers, que padece de indigestão crônica, irritado pela manhã e mais calmo à tarde) e Rafael Leal (Ginger Nut, office-boy cujo nome deriva dos bolinhos que busca para o patrão).

Em função de seu caráter profundamente enigmático, a presente obra já mereceu ensaios de renomados pesquisadores e pensadores, cabendo ressaltar a discrepância de seus pontos de vista. Isto, por um lado, só depõe a favor do conto, já que permite múltiplas leituras. E por outro evidencia a impossibilidade de se desvendar os reais objetivos de Melville ao escrever a obra.

De minha parte, o que mais me impressiona no texto é a devastadora e enigmática capacidade de transformação gerada por algo que poderia definir como "potência de uma resistência passiva". Mas certamente cada espectador encarará a obra de um ponto de vista particular. No entanto, se tentar "entendê-la", "explicá-la" ou algo no gênero, muito provavelmente estará criando para si mesmo uma cilada para a qual não encontrará uma saída.

Quanto ao espetáculo, a direção de João Batista exibe muitos méritos, a começar pela sensação de estranheza que gera no espectador e que só faz progredir ao longo da montagem. A perplexidade do narrador acaba sendo a nossa e, como ele, tentamos inutilmente decifrar o comportamento enigmático do estranhíssimo funcionário. Valendo-se de marcas imprevistas e criativas, afora uma notável capacidade de trabalhar os tempos rítmicos, o encenador consegue materializar na cena a atmosfera inquietante e claustrofóbica do conto.

Afora isto, João Batista extrai atuações irrepreensíveis de todo elenco. Na pele do Advogado, Duda Mamberti exibe a mesma competência tanto nas partes narradas quanto naquelas em que participa das cenas, dosando com precisão a progressiva perplexidade do personagem. Vivendo Bartleby, Gustavo Falcão valoriza ao extremo o caráter ambígüo do papel, cabendo destacar seu admirável trabalho corporal. E também cumpre destacar as seguras participações de Claudio Gabriel, Eduardo Rieche e Rafael Leal, ainda que em personagens com menores oportunidades.

No tocante à equipe técnica, Doris Rollenberg assina uma cenografia deslumbrante, com matizes expressionistas, que muito contribuem para acentuar a "deformação" de uma realidade graças ao desequilíbrio a ela imposta pelo estranho comportamento do novo funcionário. Igualmente notável a iluminação de Renato Machado, plena de contrastes de luz e sombra, inquietante na valorização de alguns detalhes, determinante para o fortalecimento da indispensável estranheza que é a tônica da montagem. Mauro Leite responde por figurinos em total consonância com a época e a personalidade dos personagens, cabendo ainda destacar a instigante música original de Marcelo Alonso Neves e a direção de movimento de Dani Cavanellas.    

BARTLEBY, O ESCRITURÁRIO - Texto de Herman Melville. Direção e adaptação de João Batista. Com a Cia. Dramática de Comédia. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. domingo, 19h.

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