segunda-feira, 11 de abril de 2011

Teatro/CRÍTICAS

"A lição" e "A cantora careca"

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Obras-primas em excelentes versões


Lionel Fischer


Embora tenha escrito quatro romances e sete ensaios, o romeno -naturalizado francês - Eugène Ionesco (1912-1994) tornou-se imortal graças à sua atuação como dramaturgo. Considerado um dos principais autores do chamado Teatro do Absurdo, Ionesco escreveu 29 peças, sendo que duas de suas obras mais conhecidas estão reunidas no presente espetáculo: "A lição" e "A cantora careca".

Na primeira, a ação se dá entre uma aluna e seu professor particular, supostamente detentor de todo o conhecimento. Aos poucos, porém, em meio a diálogos absurdos e muito engraçados, fica claro que o que está em jogo é algo muito mais complexo, com especial ênfase nas relações de poder - na casa do dito professor mora uma curiosa governanta, que possui uma percepção da realidade bem mais aguda do que a de seu patrão.

Na segunda, o Sr. e a Sra. Smith trocam banalidades sobre o cotidiano na sala de sua casa, até o momento que surgem o Sr. e a Sra. Martin, convidados para jantar. O quarteto prossegue no mesmo tom, valendo-se de frases desconexas e também muito engraçadas. São eventualmente interrompidos pela Empregada e mais adiante pelo Bombeiro. Aqui fica evidente um dos temas principais da obra do autor: a impossibilidade de uma verdadeira comunicação entre as pessoas.

Em cartaz no Teatro Maison de France, "A lição" e "A cantora careca" chegam à cena com direção de Camilla Amado e Delson Antunes, estando o elenco formado por Renata Paschoal, Nelson Xavier, Cecil Thiré, Thelma Reston, Maria Gladys e Roberto Frota.

Em "A lição", como já foi dito, talvez o principal tema seja a relação de poder que se estabelece aos poucos entre o Professor (Nelson Xavier) e a Aluna (Renata Paschoal), passando a um plano secundário os objetivos dela de obter conhecimentos e o dele de fornecê-los. Do embate entre ambos acaba resultando um final trágico, sabiamente previsto pela Governanta.

Como não objetivaram criar uma dinâmica cênica "moderna" através de inúteis mirabolâncias formais, os diretores investiram no que realmente importa: a relação entre os personagens. E aqui ocorreu algo que não compreendi muito bem: a linha adotada por Nelson Xavier. O ator está muito hesitante no tocante ao texto, a ponto de sugerir sucessivas falhas de memória. Como isto seria inconcebível num intérprete de tal categoria, sou levado a crer que se tratou de uma opção, que a meu ver não funciona. Além disso, Nelson Xavier impõe à maioria de suas falas um ritmo muito lento, e em nenhum momento se torna uma figura ameaçadora, o que torna um tanto implausível o final.

Em contrapartida, Renata Paschoal está divertidíssima na pele da Aluna, exibindo aqui uma das melhores atuações de sua carreira - a atriz trabalha de forma irrepreensível os tempos rítmicos e uma certa "robotização" da personagem, cabendo ainda destacar a propositada monocordia da maior parte de suas falas, quase sempre proferidas num tom alto e sugerindo que as mesmas advém de impulsos não processados pelo consciente. Igualmente notável a breve participação de Cecil Thiré como a Empregada, tanto no que diz respeito à composição física como no que concerne ao texto proferido, impregnado de divertido sotaque.
       
Já em "A cantora careca", também dirigida de forma simples e objetiva - o que confere à peça o absurdo e humor que lhes são inerentes - Nelson Xavier está excelente vivendo o Sr. Martin, numa composição cujo principal mérito consiste na capacidade do ator de jamais alterar o tom de voz, a cadência de suas falas e a expressão de seu rosto, o que produz um resultado tão inusitado quanto divertido. Renata Paschoal intepreta com segurança a Sra. Martin, sendo irrepreensíveis as performances de Cecil Thiré (Sr. Smith) e Thelma Reston (Sra. Smith). Os dois, diga-se de passagem, conseguem estabelecer divertidíssima contracena, sobretudo  através das pausas e dos momentos em que "congelam", como se algo de gravíssimo tivesse sido dito, o que jamais ocorre.

Na pele da Empregada, Maria Gladys exibe todo o seu carisma e talento de comediante, valorizando ao máximo sua breve participação. Finalmente, um destaque todo especial para Roberto Frota encarnando o Bombeiro. Quase sempre mantendo uma postura grave e um tanto alterada, o ator dá um show sobretudo quando conta sua interminável e última piada. Gladys e Frota demonstram, de maneira inequívoca, que é perfeitamente possível extrair o máximo de papéis coadjuvantes, desde que, dentre outros fatores, contem com a preciosa colaboração de uma dupla de diretores como Delson Antunes e Camilla Amado, esta última uma das mais brilhantes, cultas e instigantes atrizes deste país, além de notável professora da complexa arte de interpretar.

Na equipe técnica, Fernando Mello da Costa assina cenografias corretas para os dois espetáculos, a mesma correção presente na iluminação de Paulo César Medeiros. Quanto aos figurinos, Marcelo Marques veste os personagens em total sintonia com o contexto e personalidades retratadas.

A LIÇÃO e A CANTORA CARECA - Textos de Eugène Ionesco. Direção de Delson Antunes e Camilla Amado. Com Nelson Xavier, Cecil Thiré, Thelma Reston, Renata Paschoal, Maria Gladys e Roberto Frota. Teatro Maison de France. Quinta a sábado, 20h. Domingo, 19h.

Um comentário:

  1. Tive a mesma impressão do Nelson Xavier em "A Lição" e concordo que sua escolha não tenha funcionado. Pra mim, a estrela dourada do espetáculo vai pro Cecil Thiré...ele tá sensacional em ambas as peças!

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