quarta-feira, 27 de abril de 2011

Constantin Stanislavski
Trechos selecionados do livro
Manual do Ator


As ações criam a vida física de um papel

Um papel em um espetáculo, mais do que a ação na vida real, deve ser uma fusão das duas vidas - a da ação exterior e a da ação interior - num esforço mútuo que visa a alcançar um determinado objetivo. Sintam-se, ainda que parcialmente, em seu papel, e deixem que seu papel sinta-se, ainda que parcialmente, em vocês mesmos: isso é para que vocês consigam vê-lo.

Acentuação

A acentuação é um dedo em riste, que aponta para algo e lhe desvenda o significado. Ela acentua a palavra-chave, o ponto culminante do subtexto. O ponto principal não é tanto o volume, e sim a qualidade da acentuação, que pode combinar-se com a entonação; este última confere à palavra várias nuanças.

Análise

O objetivo da análise é o aprofundamento emocional da alma de um papel. A análise não é um processo exclusivamente intelectual. A análise é um meio de vir a conhecer uma peça, isto é, senti-la. Ter um domínio pleno das ações físicas representa a chave da liberdade. Ao nos deixar-mos absorver pelas ações físicas imediatas, não refletimos sobre o complexo processo de análise interior, que, natural e imperceptivelmente, se desenrola dentro de nós, e nem temos consciência do mesmo.

Aqui e agora

Pensem sempre nisso na hora de interpretar um personagem: o que EU faria aqui e agora, SE na vida real, tivesse que agir em circunstâncias parecidas àquelas determinadas pelo meu papel?

Arrebatamento interior

Um verdadeiro artista deixa-se arrebatar por tudo que acontece ao seu redor. Não se pode ser frio quando se trabalha com arte. O entusiasmo artístico é a força motriz da criatividade.

Atitude amadorística

O pior inimigo do progresso é o preconceito. Não pode existir arte alguma sem virtuosismo, prática e técnica, tanto mais necessários quanto maior for o talento. Os amadores rejeitam a técnica numa atitude que não reflete suas convicções conscientes, mas sim e tão somente uma preguiça desenfreada. Sem um completo e profundo domínio de sua arte, o ator é incapaz de transmitir ao espectador tanto a concepção e o tema quanto o conteúdo vivo de qualquer peça. Ator, senhor de sua arte.

Ator em seu papel

Em seu íntimo, paralelamente à linha das ações físicas, os atores possuem uma linha contínua de emoções que beiram as raias do subconsciente. Trabalhem para chegar ao ponto de assumir corretamente um novo papel, como se este fosse a sua própria vida. O ser recém-nascido criados por vocês se tornará alma de sua alma e carne de sua carne. Personagem + Ator =  uma nova alma única pulsante no mundo.

Atores inspirados

Quanto menos talentoso for um ator, maior será o seu "gênio", que não lhe permite fazer uma abordagem consciente de sua arte. Tais atores consideram um incômodo todo fator consciente que interfira em sua criatividade. Acham mais fácil ser ator pela Graça de Deus. Um ator, porém, não pode arriscar sua carreira em alguns sucessos ocasionais. O acaso não é arte. Sobre ele, nada pode ser construído.

Atuação em conjunto

A despeito de minha grande admiração pelos extraordinários talentos individuais, não aceito nenhuma forma de estrelismo; o esforço criador em comum será a raiz da arte que praticamos.

Atuação mecânica

Na atuação mecânica não há necessidade de um processo vivo. O pior de tudo é que os clichês preencherão todos os espaços vazios de um papel ao qual o sentimento vivo ainda não conseguiu atribuir um corpo sólido. Os artifícios que funcionam são quando o ator usa as emoções teatrais (emoções não verdadeiras).

Autocrítica

Temam os seus admiradores! Aprendam a entender e a amar a verdade cruel a respeito de si próprios. Falem a respeito de sua arte somente com aqueles que podem lhes dizer a verdade. A maioria dos atores tem medo da verdade, não por serem incapazes de suportá-la, mas porque ela pode destruir, no ator, a fé que ele tem em si próprio.

Clareza

As ações devem ser claras como as notas de um instrumento, de outra forma estarão sujeitas, tanto interior quanto exterimormente, a serem indefinidas e desprovidas de arte. O acabamento é essencial. O erro dos atores consiste em não se preocuparem com a ação em si, mas com seus resultados.

Comunhão

Quando falarem com a pessoa com quem estiverem contracenando, aprendam a manter sua atenção fixa, até certificarem-se de que seus pensamentos penetraram no subconsciente de seu coadjuvante. Por sua vez, vocês devem aprender a assimilar, a cada vez como se fosse a primeira, as palavras e os pensamentos de seu coadjuvante, para cujas falas devem estar muito atentos, mesmo que as tenham ouvido inúmeras vezes nos ensaios e nas representações diante do público. Esta relação deve estabelecer-se cada vez que atuarem juntos e isto requer uma grande concentração de atenção, técnica e disciplina. Se um ator tem que ouvir, que haja intenção no seu ato. Se tiver que olhar para algum lugar, que use plenamente os seus olhos.

Cópia

Há o diretor de exepcional talento que mostra ao ator como deve representar o seu papel. Devemos permitir que cada ator produza aquilo de que é capaz, em vez de perseguirmos um objetivo que se encontra além de sua capacidade de criação.

Criação da vida interior de um papel

O objetivo fundamental da nossa arte é a criação da vida de um espírito humano e sua expressão numa forma artística. O processo criativo de viver e experimentar um papel é um processo orgânico, fundamental nas leis físicas e espirituais que regem a natureza humana.

Disciplina

A disciplina férrea é absolutamente necessária em qualquer atividade de grupo. Sem disciplina não pode existir a arte do teatro!

Emoções teatrais

Emoção teatral é uma espécie de imitação artificial da periferia das sensações físicas. Ou o ator pode sentir tão intensamente a situação da pessoa num papel, que acaba colocando-se no lugar desta pessoa.

Ensaio

Alguns atores têm o hábito intolerável de ensaiar num tom de voz baixo quando estão dizendo suas falas. Um ator é obrigado a representar plenamente o seu papel. De outra forma o ensaio perde o seu sentido. Se os atores chegarem adequadamente preparados para o ensaio (corpo, voz, intenção) estabelecer-se-á uma esplêndida atmosfera de trabalho. Só os diretores sabem quanto trabalho, inventividade, paciência, desgaste e tempo são necessários para fazer com que esses atores dotados de fraco impulso criaitvo sejam estimulados a ultrapassar os limites de seu ponto morto. Não se pode ensaiar às custas dos outros. Atores não são marionetes.

Ética no teatro

A ética estimula a criação. O ator precisa de ordem, disciplina e um código de ética, não apenas para as circunstâncias gerais do seu trabalho, mas para atingir seus objetivos artísticos. O ator recebe elogios e começa a ter uma ânsia incontrolável de ter sua vaidade pessoal constantemente estimulada. Só uma pessoa medíocre se fascina com elogios.

Forças motivadoras interiores

O primeiro e mais importante mestre é o sentimento. Que, infelizmente, não é manipulável. O segundo mestre é a mente. E o terceiro é a vontade. Esses três mestres interiores são os motores que nos impelem na nossa vida psíquica na criação de um personagem.

Imaginação

Não podemos atuar diretamente sobre as nossas emoções, mas podemos atuar diretamente sobre as nossas fantasias criadoras; por sua vez, estas estimulam nossa memória ou memória afetiva, evocando, de suas profundezas secretas, fora do alcance da consciência, elementos de emoções já experimentadas, e reagrupando-as de forma a corresponderem às imagens que surgem em nós. Em cena, nenhum passo deve ser dado sem o auxílio de sua imaginação.

Mágico SE

Para envolver-se emocionalmente com o mundo imaginário que o ator cria numa peça, e para deixar-se envolver pela ação em cena, ele deve acreditar no que faz. Ele (ator) deve perguntar-se: "Se tudo isso fosse real, de que forma eu reagiria? O que é que eu faria?" Este Se funciona como uma alavanca que lhe permite alcançar um mundo de criatividade.

Olhos

Quantas vezes nós, atores, estamos em cena e não vemos nada! Um olhar vazio faz com que o espectador não se concentre no palco. Não preciso dizer-lhe que o olho é o espelho da alma. O olhar vazio é o espelho de uma alma vazia. O ator precisa SUNTENTAR o seu olhar.

Pausas nas falas

A pausa psicológica dá vida aos pensamentos. Se a ausência da pausa lógica torna a fala ininteligível, sem a pausa psicológica ela não tem vida.

Senso da verdade

O senso da verdade é o melhor estímulo para a emoção, imaginação e a criatividade. Em cena, a realidade não existe. A arte é produto da imaginação, o mesmo ocorrendo com a obra de um dramaturgo. O objetivo do ator deve ser o de transformar a peça numa realidade teatral. Na vida imaginária de um ator tudo deve ser real.

Subtexto

No momento em que as pessoas, músicos ou atores, colocam sua própria vida no subtexto de qualquer material escrito a ser apresentado diante de um público, libertam-se as fontes espirituais e a essênia interior. A linha de um papel é tirada do subtexto, e não do texto em si. Para o ator as palavras não são meros sons, mas sim desenhos de imagens visuais. O trabalho é comunicar aos outros o que vocês vêem na tela de sua visão interior. As palavras são parte da corporificação externa da essência interior de um papel. Cabe a vocês transformar essas imagens em realidade.

Talento

A técnica existe, sobretudo, para aqueles que possuem talento e inspiração. Quanto mais talentoso for o ator, mais ele se preocupará com a sua técnica. Em nossa arte é muito perigoso amadurecer rápido demais, sem esforços decididos.
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