quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Peter Brook

Odette Aslan


Depois de ter realizado um certo número de encenações brilhantes (Titus Andronicus, por exemplo), Peter Brook desejava associar à Royal Shakespeare Company um grupo experimental de jovens comediantes que se dedicariam com ele a um trabalho de laboratório, explorando os problemas colocados hoje em dia ao ator. Segundo Charles Marowitz, que nessa ocasião foi seu assistente, ele encontrou duas dificuldades principais: por um lado, Brook se entendia melhor com atores já formados e, por outro, alguns jovens não tinham nem vocação para o trabalho de pesquisa nem vontade de pertencer a uma comunidade, mas apenas a esperança de entrar para a Royal Shakespeare Company por essa via indireta.

Em geral, pede-se aos candidatos a comediantes "apresentarem uma cena", "dizer um texto". Brook e Marowitz utilizaram um novo método de recrutamento: a audição coletiva. Examinavam cinqüenta candidatos em grupos de dez. Cada um devia interpretar um texto de dois minutos à sua maneira, depois em função de outra personagem ou de uma situação que lhe seria indicada. Houve também improvisações em cadeia, cada ator entrando em cena após outro e improvisando a partir do que os precedentes haviam feito.

Uma dúzia de jovens foi selecionada e submeteu-se a um treinamento de três meses. Como a maior parte havia sido formada no Sistema Stanislavski "atenuado pelas escolas inglesas", Brook quis tirá-los da psicologia naturalista, procurar uma linguagem de sons e gestos inspirando-se nas idéias de Artaud, inventar a palavra-grito, a palavra-choque, tornar a palavra parte do movimento, criar a palavra-mentira, a palavra-paródia - ou então, emitir sons sem se servir da linguagem articulada. Contar uma história de faroeste com ruído apenas: o prado, o acampamento à noite, o vento, os coiotes. Chega uma diligência; ruído de rodas, de cavalos. A chegada dos índios, o combate etc.

Percebeu-se que alguns comediantes tendiam a forjar para si um estoque de sons e movimentos arbitrários, como outros haviam, anteriormente, estocado clichês realistas. Daí o perigo entrevisto por Marowitz: institucionalizar os princípios de Artaud, fazer de sua revolta uma tradição esclerosada como a da Comédie-Française ou a do teatro comercial do West End, de Londres. Constata-se uma vez mais que, qualquer que seja o método de formação utilizado, a personalidade do comediante é o fato determinante de seu talento; que sobre um temperamento medíocre só se pode passar um verniz de rotina; que a percentagem de "potros ganhadores" é pequena em relação ao número dos que é preciso treinar.

Brook e Marowitz, para quebrar os hábitos, recorreram à prática da colagem e do exercício em grupo. Colagem quer dizer que se representam várias cenas ao mesmo tempo, várias situações: justapostas, feitas em descontinuidade, tomadas em flashes. Tal como à leitura de um jornal, os olhos saltam de uma novidade a outra e o mundo todo está presente em nossa consciência. O exercício em grupo dá ao ator o sentimento de pertencer a um conjunto, a uma companhia teatral. Em vez de cada ator se dedicar a seu papel, por exemplo, vários comediantes representam as qualidades, as tendências de um só e mesmo protagonista e falam por ele.

Um outro exercício consiste em utilizar as cores: improvisar, sentir de novo uma emoção ou ter uma reação, exprimi-la em cores sobre cavaletes adrede preparados para esse fim. Artaud praticava o exorcismo pelo desenho e preconizava a utilização de cores violentamente expressivas nos espetáculos. Esse gosto é reencontrado em Brook: tecido vermelho sangue, fitas vernelhas dando idéia dos ferimentos em Titus Andronicus, pintura vermelha e azul em Marat-Sade, exercícios de cor em seus alunos para Jet de Sang, de Artaud, e Les Paravents, de Genet. Traduzindo-se em desenhos coloridos, a explosão de ódio dos revolucionários árabes em Les Paravents foi um dos momentos mais notáveis no espetáculo experimental apresentado em 1964.

Violência, crueldade, superação de Artaud, mas também questionamento de todos os elementos do teatro, busca de novas relações entre o ator, o autor e o público. Brook encenador, grande realizador, sente curiosidade por todos os métodos possíveis. Tenta para Les Paravents uma abordagem brechtiana: leitura com comediantes, discussão sobre a metafísica de Genet, revisão da tradução. Os comediantes devem exercitar-se em narrar cada cena.

* como uma reportagem

* como um depoimento de um policial diante de um magistrado

* como um conto de fada

* como um relato espantoso

* do ponto de vista marxista

* do ponto de vista freudiano

* como uma descrição poética


Se Brook em certos espetáculos suprimiu o pano de boca e mostrou os refletores, não foi com a perspectiva brechtiana da desmistificação. Ele acha que o espectador de hoje está fascinado pela técnica, em vez de estar fascinado pela cortina vermelha. Se ele faz representar o começo de uma peça de Shakespeare de maneira seca, fria, é para criar uma verdade realista, cinematográfica, tornar crível a psicologia dos personagens, pôr em realce os momentos de grande intensidade. A abolição do tom nobre, acadêmico, prepara as seqüências de crueldade destinadas a agir sobre os sentidos. O comediante deve preocupar-se com o significado filosófico e metafísico da obra.

Além das teorias de Artaud e de Brecht, Brook se interessou muito pela atividade de companhias como o Workshop de Joan Littlewood e o Living Theatre, pelas pesquisas técnicas de Grotowski, pela tentativa vocal de Roy Hart, pelos rituais africanos, pelas tradições orientais. Formou assistentes, trabalhou com outros encenadores. Em 1968 promoveu a primeira experiência do laboratório do Teatro das Nações com Victor Garcia, Joe Chaikin, Geoffrey Reeves. Desde 1970, anima um centro de pesquisa teatral em Paris, interessando-se pela relação ator-espectador. Quer sempre eliminar os tiques superficiais, os automatismos e determinar os elementos mais simples e os mais diretamente comunicáveis no teatro. Daí por que em 1972-1973 foi para as aldeias da África, ao encontro de um público espontâneo que passa facilmente do real ao imaginário.

Tendo reunido um grupo internacional de personalidades diversas, não quis favorecer nenhuma língua em detrimento de outra; suprimiu momentaneamente a palavra compreensível em seus exercícios. Com especialistas da avesta, língua sagrada dos parses, de dois mil anos, com respirações acentuadas e reproduzíveis, faz com que os comediantes emitam sílabas ritmadas cujo sentido ignoram. Esboça-se uma expressão oral orgânica, despida da retórica. Esse treinamento, destinado a quebrar os automatismos verbais da língua materna, lembra a vontade de J. Copeau de privar os atores franceses de textos falados que eles conhecessem muito bem de cor e L. Strasberg deformando os textos ao tirar-lhes a pontuação para destruir os moldes verbais dos atores americanos.

Não se sabe o que esse centro de pesquisa trará para a evolução das técnicas do ator; no momento, o trabalho é feito a portas fechadas e apenas alguns ecos nos chegam.
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Artigo extraído de O ator no século XX (Editora Perspectiva)

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