sexta-feira, 21 de maio de 2010

Aprendizagem de Memória

Richard Courtney


Lembrar que "William, o Conquistador, venceu a Batalha de Hastings em 1066" ou que "12 x 12 = 144" é um ato de memória. O processo envolvido tem três fases: experiência, retenção e recordação.

Primeira fase: Experenciar (memorizar)

Confiar um fato à memória deve envolver alguma experiência ou atividade. Eu ouço uma nota; eu presencio um acontecimento; eu dirijo um carro. Meus sentidos devem ser ativados de um modo ou de outro antes que o ato de memorização possa se dar. O menino aprendendo a tabuada ou decorando um trecho de um poema irá ler e reler o item, irá recitá-lo e repetí-lo (dominá-lo). Isto não é algo simples ou passivo. Exige tempo e envolve um complexo de atividades resultantes do aprendizado anterior.


Segunda fase: Reter

Devemos reter o item que estamos tentando memorizar durante o intervalo de tempo ocupado com muitas outras atividades, talvez por dias, meses ou anos. Pouco sabemos sobre os métodos de retenção, mas as experiências são retidas provavelmente pela modificação no sistema nervoso (que podem ser de caráter estrutural, quando a retenção visa um tempo maior que apenas uns poucos minutos).


Terceira fase: Recordar (rememorar)

Quando recordamos alguma experiência, nós, efetivamente, estamos atuando. O processo de recordação é uma atividade. Estamos reexperienciando. Se fôssemos incapazes de evocar nossa experiência original (esquecimento) isso se deveria a: (1) memorização inadequada; (2) malogro na retenção - embora isso não seja considerado um aspecto comum; e (3) esquecimento sem malogro de retenção, porque todos experimentamos a súbita recordação de um fato (geralmente anos mais tarde) que julgávamos esquecido.

Devemos observar, de passagem, que há uma correspondência entre o processo envolvido na memória e o processo envolvido na identificação e personificação imaginativas. A memorização baseia-se na experiência sensível, sendo afetada diretamente por dois fatores: significado e repetição. James afirmou:

A maioria dos homens tem boa memória para os fatos vinculados a suas próprias atividades. O colegial atleta que se mantém relapso frente a seus livros poderia nos surpreender com seu conhecimento sobre "recordes" em variados feitos e competições, e pode chegar a ser um dicionário ambulante de estatísticas desportivas. A razão está em que ele, constantemente, revolve essas proezas em sua cabeça, comparando e acumulando-as. Elas compõem para ele não apenas curiosidades, mas um sistema de conceitos - e assim, se impõe. Da mesma maneira o comerciante recorda os preços, o político os discursos e votos de outros políticos, com uma prolixidade que diverte aos de fora, mas que é facilmente explicado pela intensidade com que se dedicam a tais assuntos.

Um fato deve ser significativo para que seja memorizado. Todos nós já experimentamos períodos de "falta de interesse" em guardar qualquer coisa na memória, e isto se deve basicamente a que o material não tinha interesse, valor ou relevância para nós. O jogo e a atividade dramática têm importância direta para nós: são coisas que realmente queremos fazer. A utilização deles, portanto, ajuda consideravelmente o desenvolvimento da memória. Isto é revelado pelo que acontece quando tentamos memorizar algo que não apresenta nenhum interesse para nós (como material non sense ou jogos de palavras desconexos): tratamos de traduzir tal material para termos familiares - relacionando-o com nossa experiência prévia. O jogo dramático é apenas um exercício desse tipo. William James demonstrou que a memorização é mais fácil quando o material a ser apreendido pode relacionar-se com material que já nos é familiar.

Ainda que concordemos com as teorias Conexionista ou Cognitiva, não há dúvidas de que a repetição exerce um importante papel em nossa habilidade de retenção. Mas, para ser realmente eficiente, a repetição deve ser ativa, de algum modo: aquele que aprende deve fazer algo com relação à informação - usando-a de alguma maneira. Por exemplo: ler-recitando auxilia uma memorização mais rápida que a simples leitura, e Hunter afirma que as razões disso são: (1) a necessidade de antever trechos sucessivos da lição assegura que aquele que memoriza está ativamente envolvido na tarefa e não recai em releitura desatenta; (2) deve empenhar-se na recordação do material, isto é, começar a praticar exatamente aquela atividade que é seu objetivo máximo a realizar; (3) a recitação dá àquele que memoriza um conhecimento imediato dos resultados, dando-lhe uma idéia de seu progresso e estimulando-o para um progresso constante.

Este é, naturalmente, um outro nível de "aprender fazendo"; o estudante está exteriorizando o material e fazendo-o "funcionar". Não apenas é mais efetivo recitar o que deve ser aprendido, ao invés de simplesmente lê-lo, mas é mesmo mais efetivo atuá-lo - a prova disto está em que resulta mais fácil aprender o texto de uma peça que textos de poesia lírica.

Mas, a atuação em si ilustra um outro fator importante na memorização efetiva: aprender pelo todo. A psicologia da Gestalt demonstrou que há uma tendência geral da mente de aprender as coisas em relação a outras, e que a habilidade para apender desse modo é geralmente aceita como um sinal de comportamento inteligente. Um ator, memorizando um papel, a princípio, se familiariza com a peça como um todo; ele lê toda a peça primeiro buscando compreender os elementos básicos do enredo, construção, caracterização, e assim por diante. Chega, então, à compreensão de seu próprio papel e a relação deste com as outras personagens, com a situação etc.

No primeiro ensaio, ele "tateia" seu papel, com o texto nas mãos, agarrando-se aos traços mais salientes de seu papel. Principalmente, relaciona o que diz com o que faz: ele poderá dizer um trecho sentado e no seguinte pôr-se de pé - a relação entre a palavra e a ação é a chave do processo de memorização. Essencialmente, a compreensão e a familiaridade com o contorno do todo fornece um contexto de significado para cada uma das partes; propicia, também, uma lembrança imediata do que vem a seguir.

Enquanto que a memorização é bastante auxiliada pelo significado e pela repetição, um fator importante no processo de recordar é a imagem. Quando os órgãos dos sentidos são acionados pelos estímulos apropriados, são conduzidos à percepção. Mais tarde, quando desejamos recordar a percepção "através dos olhos da nossa mente" nos dizem para imaginar, ou formar imagens. Isto é também uma atividade, não algo estático, e há diferenças consideráveis na habilidade das pessoas em compor essas imagens.

A formação visual de imagens parece ser o processo mais comum e mais vívido (como quando nos recordamos de um amigo, pensando na imagem de seu rosto); em ordem de freqüência, viria a formação de imagem auditiva, tátil, cinestésica, gustativa, orgânica e olfativa. Embora cada um de nós utilize todos esses métodos na formação de imagens, não usamos o mesmo método para cada imagem específica (e isso pode, casualmente, criar dificuldades para professores que, com uma classe, utilizam um tipo de imagem quando alguns alunos podem necessitar o uso de outro método de formação de imagem).

Uma ou duas outras diferenças individuais são importantes. É quase certo, por exemplo, que nossa habilidade na formação de imagens varie de acordo com aquilo que estamos tentando recordar: funciona melhor quando estamos tentando recordar um objeto concreto (um rosto, uma cidade) do que de idéias abstratas, argumentos ou decisões. Isto pode estar relacionado com o fato de que a conformação de imagens parece ser mais vívida com crianças do que com adultos. E, também, pessoas que estão muito empenhadas, em seu cotidiano, com o pensamento abstrato, parecem apresentar uma habilidade média inferior na formação de imagens. Mas, há tantas exceções que isso está longe de ser uma regra.

Não há dúvida quanto à importância da formação de imagens para o processo de memorização. A eficácia de bons recursos visuais no ensino é uma evidência; facilita o aprendizado e fornece um referencial que pode ser recomposto em imagens posteriormente. Idéias tais como pensar no passado, no futuro, ou possíveis objetos e eventos necessitam do amparo de imagens. Muitas pessoas empregam, também, imagens de palavras, números e outros símbolos no pensamento matemático ou outro tipo de pensamento abstrato.

Não sabemos ao certo se a capacidade de formação de imagens pode ser incrementada, mas sabemos que a habilidade em recordar imagens pode ser estimulada por vários fatores: objetivo e interesse; freqüência com que se prolonga a recordação; a força com que a experiência original criou a imagem. Esta última, naturalmente, pode ser afetada de forma direta pelo jogo dramático: de certo modo, "viver um fato é conhecer o fato". Mas o jogo imaginativo é calcado na formação de imagens e, assim, a freqüência de tal experiência se relaciona com a freqüência da recordação; se, como professores, dirigimos e canalizamos o jogo das crianças de modo a que se relacionem com uma experiência valiosa, as crianças recordarão imagens valiosas.

Com propósito e interesse retornamos mais uma vez à motivação, que, na medida em que o jogo é um fator muito importante na atitude da criança, é a razão mais poderosa para o uso da imaginação dramática no aprendizado.
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O presente artigo, aqui um pouco resumido, foi extraído do livro "Jogo, teatro e pensamento", de Richard Courtney/ Editora Perspectiva/1968.

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