sexta-feira, 23 de abril de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Dona Otilia e outras histórias"

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Montagem imperdível no Sesc


Lionel Fischer


Após se apresentar no Festival de Teatro de Curitiba desde ano, "Dona Otilia e outras histórias", de autoria de Vera Karan (1959-2003), vem cumprindo excelente temporada no Espaço Sesc. E nada mais justo, dada a excelência dos textos (exceção feita a um deles, bem inferior aos outros), da direção, da performance dos atores e do trabalho da reduzida equipe técnica.

Composto de três textos curtos - "Dona Otilia lamenta muito", "A florista e o visitante" e "Dá licença, por favor? - intercalados pelo monólogo de uma atriz ("Será que é o contráriio a vida da atriz") que, em seu camarim, tece considerações sobre a vida e o teatro, "Dona Otilia e outras histórias" chega à cena com direção de Gilberto Grawronski e elenco formado por Guida Vianna, Gilberto Gawronski, Sávio Moll e Letícia Isnard.

Em "Dona Otilia lamenta muito" tudo gira em torno de um casal que está comemorando 10 anos de casamento. Sem saber que o marido decidira deixá-la, a mulher prepara um jantar surpresa, para o qual convidou alguns amigos comuns. E por mais que o homem tente contar a novidade, esta só vem à tona perto do final, pois Otilia praticamente não o deixa falar. E mesmo quando é informada do desejo do marido de ir embora, não admite que ele o faça naquele momento, o que constituiria, segundo ela, uma imperdoável descortesia para com os convidados. O final, totalmente inesperado e hilário, me abstenho de revelar, pois não seria justo para com os espectadores que ainda não assistiram o espetáculo. Seja como for, trata-se de uma pequena jóia dramatúrgica, repleta de irresistível humor crítico.

O segundo texto, "A florista e o visitante", é o tal que considero bem inferior aos outros. Mas não porque seja inteiramente desprovido de qualidades, já que promove o encontro de duas personalidades bastante curiosas, que "ameaçam" todo o tempo chegarem a um entendimento que talvez pudesse conferir um novo rumo às suas vidas. Ocorre, porém, que o texto é muito longo, e em função deste detalhe seu potencial em muito se minimiza.

Já o terceiro, assim como o inicial, é absolutamente maravilhoso. Um homem chega a um teatro e quando se dirige à sua poltrona, vê nela a bolsa de uma senhora. E então, extremamente educado, pergunta a ela se o lugar "está ocupado". É óbvio que não, pois uma bolsa, ao menos em princípio, não assiste a um espetáculo. Trata-se, apenas, de uma maneira gentil de sugerir que aquele assento é o dele, estando implícita a retirada, pela dama em questão, da sua bolsa. Mas aí começa uma discussão que, crescendo pouco a pouco, atinge as raias do mais completo absurdo. Sem dúvida, uma obra-prima de humor, calcado na intolerância e na incapacidade dos personagens de se fazerem entender, graças à intempestiva e desvairada senhora.

Quanto aos monólogos da atriz, bem realizados por Letícia Isnard, estes explicitam, sempre de forma bem humorada e crítica, uma série de dúvidas e inquietações que fazem parte da ansiedade diária de todos os profissionais que se dedicam ao teatro, cabendo registrar que Letícia, logo no início do espetáculo, realiza, displicentemente, proezas corporais que - vejo-me obrigado a confessar - quase provocam em mim um colapso total, fruto de brutal inveja.

No que diz respeito ao espetáculo, Gilberto Gawronski impõe à cena uma dinâmica despojada e simples, sabiamente isenta de desnecessárias firulas formais e totalmente voltada para as relações estabelecidas entre os personagens. E estes são interpretados de forma irrepreensível por todo o elenco. A começar por Guida Vianna.

Protagonizando a primeira e a última história, a atriz demonstra uma vez mais seu enorme talento, aqui voltado para a comédia - mas Guida é uma atriz capaz de transitar, com o mesmo brilho, por todos os gêneros. E seu mérito reside, entre outras coisas, em sua capacidade de articular com perfeita clareza o texto, em sua notável noção de ritmo e na inteligência de suas escolhas. Trata-se de uma profissional exemplar, sem dúvida uma das melhores intérpretes do país.

Sávio Moll, parceiro de Guida na primeira história, convence plenamente na pele do coitado que, assolado pela avalanche de palavras da esposa e por seu bizarro raciocínio, só no final, como já foi dito, consegue verbalizar seu desejo. E o mesmo se dá no último quadro, sendo que aqui o ator tem maiores oportunidades de trabalhar, na medida certa, o progressivo descontrole do personagem. Gilberto Gawronski e Letícia Isnard também exibem ótimo desempenho na segunda história, ainda que lutando - ao menos em minha opinião - contra a excessiva duração do texto.

Com relação à equipe técnica, creio que a cenografia e figurinos (simples e eficientes) tenham ficado a cargo do grupo, cabendo destacar a excelente luz de Tomás Ribas e a apropriada trilha sonora criada pelo diretor.

DONA OTILIA E OUTRAS HISTÓRIAS - Textos de Vera Karan. Direção de Gilberto Gawronski. Com Guida Vianna, Gilberto Gawronski, Sávio Moll e Letícia Isnard. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.

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