segunda-feira, 1 de março de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Velha é a mãe!"


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Saborosa comédia no Sesi


Lionel Fischer


Como se sabe, quando um casal "maduro" se separa por iniciativa do homem, o normal é que ele vá em busca de uma parceira bem mais nova e todos julgam isso mais do que natural - no entanto, se ocorre o inverso, vira um escândalo, como se a mulher não tivesse os mesmos direitos. Mas aqui trata-se de uma situação curiosa: o homem que abandona a esposa já ultrapassou em muito a fase "madura" (tem mais de 80 anos) e sua nova parceira não é uma ninfeta, mas uma mulher mais ou menos de sua idade - e vizinha de porta.

À beira de um ataque de nervos, a esposa abandonada, que tem 70 anos mas parece bem mais jovem graças a horas de academia, plásticas, aulas de boxe, natação e aplicações de botox, recebe a visita da filha única, que ali aparece para consolar a mãe, sem obter nenhum êxito, pois a senhora rejeitada mal a deixa se expressar, tamanho seu descontrole. O máximo que a filha consegue dizer é que talvez seu pai precisasse de um pouco de tranquilidade - argumento incontestável, dado o caráter paroxístico da protagonista.

Eis, em resumo, o enredo de "Velha é a mãe", vencedora do Festival de Novos Dramaturgos do CCBB em 2007. De autoria de Fábio Porchat, a peça está em cartaz no Teatro Sesi e chega à cena com direção de João Fonseca e elenco formado por Louise Cardoso (Mãe) e Ana Baird (Filha).

Desde o primeiro momento, fica óbvio que Fábio Porchat pretendeu escrever uma comédia desprovida, digamos, de considerações mais profundas a respeito do casamento. No entanto, muitos dos temas abordados são atualíssimos, como essa necessidade doentia de tentar domesticar o tempo através de uma infinidade de expedientes que não visam tanto a preservação da saúde ou uma melhor qualidade de vida, mas fundamentalmente criar uma falsa e fugaz ilusão centrada na imagem exterior.

Outro aspecto positivo do texto é a construção de uma personalidade despótica e desvairada, que só tem ouvidos para as próprias palavras, e portanto praticamente incapaz de estabelecer uma parceria mais consistente. E a personagem da filha também é trabalhada de forma interessante, posto que serve como contraponto à mãe, buscando de forma calma fazê-la entender as razões que levaram à separação. A única ressalva que faço ao texto é a repetição de algumas situações, como as ameaças que a mãe faz de invadir o apartamento ao lado e matar o ex-marido. Desde que um pouco reduzido, o texto certamente seria ainda mais saboroso e divertido do que já é.

Quanto à encenação, João Fonseca impõe à cena uma dinâmica em sintonia com o material dramatúrgico, mas poderia suavizar um pouco algumas passagens, assim evitando que as mesmas assumissem conotações de comédia pastelão. Mas no geral suas marcas são divertidas e o ritmo adequado ao contexto.

No elenco, Louise Cardoso exibe ótima performance, tanto nos momentos mais histéricos quanto naqueles (os melhores) em que sua personagem consegue falar sobre o amor, o casamento e a velhice, dentre outros temas, num clima menos paroxístico. Ana Baird também convence plenamente no papel da filha, aproveitando muito bem as passagens em que sua personagem exibe um lado bem humorado e crítico.

Na equipe técnica, Nello Marrese constrói uma cenografia em sintonia com a pesonalidade da protagonista, valendo-se de tons quentes e mobiliário que sugere a casa de uma pessoa bem mais jovem e moderníssima. Rita Murtinho (figurinos) e Maneco Quinderé (iluminação) apresentam trabalhos corretos.

VELHA É A MÃE! - Texto de Fábio Porchat. Direção de João Fonseca. Com Louise Cardoso e Ana Baird. Teatro Sesi. Quinta, sexta e domingo, 19h30. Sábado, 20h30.

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