segunda-feira, 29 de março de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Tango, bolero e cha cha cha"

.........................................................
Nova versão de comédia hilariante


Lionel Fischer


Dizem que sempre se pode ser feliz - ou menos infeliz, como queiram - por comparação. Se, por exemplo, eu estou deprimido porque não tenho sapatos, posso encontrar algum alívio ao contemplar um homem que não tem os pés. Mas acredito que toda comparação é no mínimo questionável, só não o sendo quando os objetos de comparação foram criados ao mesmo tempo, no mesmo espaço, nas mesmas circunstâncias e pelas mesmas pessoas. No presente caso, julgo uma perda de tempo tentar estabelcer comparações entre a presente montagem e a que assisti há dez anos, já que a mesma mudou quase que completamente.

Assim, ao analisar a atual versão de "Tango, bolero e cha cha cha", tentarei ao máximo não cair nas armadilhas da comparação, procurando apenas me fixar no que assisti no último sábado - e se alguma comparação for feita, será apenas no sentido de enfatizar que um mesmo texto não apenas pode, como deve, receber múltiplas versões. De autoria de Eloy Araújo, o espetáculo, em cartaz no Teatro Clara Nunes, chega à cena com direção geral de Bibi Ferreira, direção de Paulo Afonso de Lima e elenco formado por Edwin Luisi, Maria Clara Gueiros, Márcia Cabrita, Carlos Bonow e Miguel Rômulo - cabe apenas registar que vi o espetáculo com Carolina Loback substituindo Márcia Cabrita.

No passado casado com Clarice (Maria Clara Gueiros), um belo dia Daniel (Edwin Luisi) simplesmente desaparece, deixando à esposa o encargo de criar o filho do casal ainda pequeno. No entanto, dez anos depois ele decide reaparecer, tendo por objetivo prestar os esclarecimentos para a atitude que tomara. Só que agora na pele do transsexual Lana Lee, casado com o italiano Peter (Carlos Bonow). A partir de tal contexto, o espectador já pode estar certo de que assistirá a muitas confusões, hilariantes quiprocós, surpresas e perplexidades, cabendo lembrar que Dênis, o filho do casal, agora já é adolescente e que Genevra, a empregada, talvez já esteja na casa há muito tempo, pelo menos se levarmos em conta a intimidade que tem com a "patroa" e com o "menino".

O texto de Eloy Araújo é muito engraçado, contém ótimos personagens e talvez seja mais atual hoje do que há dez anos - a estrutura familiar tradicional vem sofrendo muitas transformações, assim como a condenação de afetos tidos como "anormais" também decaiu bastante, mesmo que muitos resquícios de intolerância e preconceito ainda existam, e talvez não desapareçam jamais, a menos que a sociedade um dia renuncie à sua máscara mais intolerável: a hipocrisia.

Entretanto, o presente texto, a par de suas qualidades acima mencionadas, padece do seguinte entrave: é muito longa a preparação para a inevitável confissão de Lana Lee, da mesma forma que o texto se estende em demasia após ela ser feita. E se mesmo assim o público adora o que assiste, certamente sua reação seria ainda mais calorosa e entusiasmada se a peça - e conseqüentemente a montagem - fossem um pouco reduzidas.

Com relação à direção, Bibi Ferreira e Paulo Afonso de Lima conseguem impor à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Só que agora o espetáculo investe mais num humor menos sofisticado e mais escrachado, priorizando um ritmo bem mais frenético e marcações algo delirantes, mas ainda assim coerentes com o contexto. E essa nova versão, evidentemente, determina um tipo de atuação diferente da montagem anterior, sem que isso diminua seu alcance.

Na pele de Lana Lee, Edwin Luisi retoma o personagem com idêntico brilho, cabendo lembrar que, em 2010, o ator se deu ao luxo de abocanhar todos os prêmios disponíveis - Shell, APCA, Mambembe, Qualidade Brasil e Governador do Estado. Ao completar 40 anos de carreira, Edwin Luisi só faz confirmar o que todos já sabem: trata-se de um dos melhores atores nacionais, um interprete realmente de exceção, de grande inteligência cênica e portanto capaz de transitar de forma impecável por todos os gêneros.

Comediante nata, Maria Clara Gueiros está irretocável como Clarice, cabendo ressaltar sua notável capacidade de alternar rítmos e bruscas mudanças faciais. Carlos Bonow faz muito bem o glamuroso, simpático e algo cafajeste Peter, com Carolina Loback - que me parece que foi assistente de direção - dando um show de humor e exibindo grande carisma vivendo Genevra. Com relação a Miguel Rômulo, cercado de "feras" por todos os lados, é natural que seu desempenho fique em um nível um pouco abaixo de seus parceiros, mas ainda assim destacamos a cena da hipnose, que o jovem ator faz muito bem.

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo a funcional cenografia de Marcelo Marques, assim como seus ótimos figurinos, sendo corretas a iluminação de Renato Machado e a trilha sonora de Andrea Zeni.

TANGO, BOLERO E CHA CHA CHA - Texto de Eloy Araújo. Direção de Bibi Ferreira e Paulo Afonso de Lima. Com Edwin Luisi, Maria Clara Gueiros, Carlos Bonow, Miguel Rômulo e Márcia Cabrita e Carolina Loback revesando no papel de Genevra. Teatro Clara Nunes. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.

Um comentário:

  1. Lionel Fischer diz:
    O texto de Eloy Araújo é muito engraçado, contém ótimos personagens e talvez seja mais atual hoje do que há dez anos - a estrutura familiar tradicional vem sofrendo muitas transformações, assim como a condenação de afetos tidos como "anormais" também decaiu bastante, mesmo que muitos resquícios de intolerância e preconceito ainda existam, e talvez não desapareçam jamais, a menos que a sociedade um dia renuncie à sua máscara mais intolerável: a hipocrisia.

    Vejamos a definicao de hipocrisia de acordo com o dicionario:
    A hipocrisia é o ato de fingir que se tenha qualidades, idéias ou sentimentos que na realidade não se possui.

    Ora senhor L. Fischer, para ssumir que a sociedade inteira ou sua grande maioria esteja mascarando um sentimento seria muito fertilidade mental de tua parte. Te digo com certeza que a maioria da populacao brasileira e sincera a respeito do homossexualismo. Ela em sua grande maioria o ve^ como um erro, como algo anormal e como algo doentio. Eu particularmente enquadraria o Homossexualismo como uma doenca mental, como um deficit de crescimento e amadurecimento. Eu sinceramente me sinto desta maneira, Nao sou HIPOCRITA! Reflita antes de escrever besteiras, assuntos que o senhor nao tem o menor conhecimento!

    ResponderExcluir