terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Barata Ribeiro 193"


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Artistas: ser ou não ser


Lionel Fischer


Como já disse em várias críticas, é sempre melhor se partir de uma boa idéia quando se pretende escrever uma peça - ou fazer seja o que for. Mas isso em nada garante a qualidade do produto final, já que algumas das maiores obras-primas dramatúrgicas tiveram como ponto de partida idéias não necessariamente brilhantes, sendo o maior exemplo Hamlet, de Shakespeare, sabidamente o melhor texto já escrito. Qual o enredo de Hamlet? Logo no início, um jovem príncipe é informado pelo fantasma de seu pai de que ele fora morto por seu irmão, que ora ocupa seu lugar no trono e no leito de sua ex-esposa. E então? Trata-se de uma idéia deslumbrante? Obviamente que não. O que confere ao texto sua insuperável grandeza é a forma como Shakespeare o desenvolveu, os magníficos personagens que criou, os diálogos impregnados de belíssima poesia, as pertinentes reflexões que empreende, a ação avassaladora etc.etc.

Com isto quero dizer basicamente o seguinte: no presente caso, Márcio Libar escreveu um texto cuja essência repousa em um contexto já muito explorado, qual seja: três jovens que ambicionam viver de sua arte dividem o mesmo apartamento e lutam para materializar seus sonhos, além de enfrentar as habituais dificuldades do dia-a-dia, como comer e pagar o aluguel, dentre outras.
Daí poderia resultar algo de grande valor ou um produto como este, que, mesmo não isento de méritos, deixa um pouco a desejar.

Com criação assinada por Márcio Libar, Lázaro Menezes, Vitor Peres e Bernardo Mendes, e direção e dramaturgia sob a responsabilidade de Libar, "Barata Ribeiro 193" está em cartaz no Teatro Planetário da Gávea/Maria Clara Machado, estando o elenco formado por Lázaro Menezes, Vitor Peres e Bernardo Mendes.

Tudo se passa no período de três meses, de 31 de dezembro de 2008 a 23 de março de 2009. João Fischer (seria meu parente?), mineiro de São Pedro dos Ferros, ambiciona ser dramaturgo, e divide o apartamento com o carioca Daniel, que pretende ser ator. Eles acabam aceitando como parceiro de moradia o gaúcho Arlindo, recém chegado de Passo Fundo, que também deseja fazer carreira como ator, embora também cante, dance e toque instrumentos. Tal "arranjo" visa, fundamentalmente, amortecer a cota de aluguel de cada um.

Isto posto, tem início a trama propriamente dita, que, ao menos em princípio, deveria gerar empatia na platéia, que certamente haveria de torcer para que todos conseguissem tiunfar como artistas. Mas aí surge o primeiro problema. Ainda bem no início do espetáculo, o candidato a dramaturgo expõe o tema de sua peça: ele nos fala de um boi em frente ao qual existe uma enorme poça de sangue. E tudo parece se resumir a isto, posto que ele nada mais fala. O gaúcho fica meio perplexo e a platéia ri. Então, uma questão me ocorreu: estaria Libar pretendendo mostrar que nem todos, por mais que o desejem, podem se tornar artistas? Esta me parece ser a única conclusão possível, dada a debilidade do tema em que o "dramaturgo" vem trabalhando há tanto tempo. Consequentemente, dele só podemos nos apiedar, pois torna-se literalmente impossível torcer por alguém tão completamente destituído de talento.

Quanto a Daniel, o ator carioca que estuda na Ong de uma favela e eventualmente faz animações em festas ou eventos, ele exibe aquele comportamento típico dos habitantes deste aprazível balneário: é relaxado fisicamente, gosta de soltar piadas e tenta sempre encontrar soluções práticas para os problemas que enfrenta - menos a última, que omitimos por razões óbvias e que acaba conduzindo a um desfecho trágico. Mas ainda assim jamais consegui acreditar realmente em sua paixão pela arte de representar, no sentido mais radical do termo - aliás, tal descrença se apóia em uma frase que já conhecia, dita pelo personagem: "Resolvi ser artista para não ter que acordar cedo".

No que se refere ao gaúcho Arlindo, este é sem dúvida o personagem mais bem estruturado, pois em nenhum momento duvidamos da honestidade de suas ambições, e muito menos do seu preparo - como já foi dito, além de representar ele canta, dança e toca vários instrumentos. E mais: abandonou sua cidade natal mesmo sabendo que poderia passar em um concurso público que fez, cujo resultado ainda ignora, mas que se aprovado lhe daria condições de usufruir uma vida menos instável do que a inerente a qualquer carreira artística.

Pois bem: se de fato minha avaliação sobre o perfil dos três personagens está correta - trata-se apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos - o principal conflito deveria girar não tanto em torno de dificuldades financeiras, mas sim da possibilidade ou não de alguém ser realmente artista, fato que independe da vontade ou até mesmo de esforço. E sendo os três personagens tão diferentes, as discussões entre eles poderiam ser altamente pertinentes, já que os três defenderiam pontos de vista diversos, dada a singularidade de cada um. E se isso acontece eventualmente - pois de fato acontece - acredito que a peça se tornaria mais interessante e contundente se tais questões fossem mais aprofundadas, o que nos permitiria conhecer de forma mais visceral as inseguranças e incertezas de cada um.

Com relação ao espetáculo, Márcio Libar impõe à cena uma dinâmica despojada, quase que totalmente centrada nas relações entre os personagens - a exceção fica por conta de uns vídeo-clips, por sinal muito bons, feitos por Rômulo Pacheco. Trata-se de um decisão acertada, pois neste tipo de texto firulas formais são inteiramente dispensáveis. E sua atuação junto aos atores exibe mais acertos do que equívocos.

Vitor Peres, que intepreta o mineiro João, entrega-se com paixão ao personagem, mas deve atentar para um detalhe: muitas vezes ele parece estar drogado ou ter bebido muito, quando imagino que deseje transmitir esgotamento. Bernardo Mendes convence parcialmente na pele do carioca Daniel, só não o fazendo totalmente porque exibe alguns problemas de dicção e emissão vocal, sobretudo nas passagens em que seu personagem fala rápido. Quanto a Lázaro Menezes, este é sem dúvida o mais preparado dos três: tem boa voz, presença e ótimo preparo corporal.

Na complemento da equipe técnica, são corretos os figurinos de Miguel Salgado, a cenografia de Dodô Giovanetti e a iluminação de Luis Carlos Nem, cabendo destacar a música incidental de Lázaro Meneses e a trilha tema de Bena Lobo, que conta com ótima letra de Rômulo Pacheco.

BARATA RIBEIRO 193 - Texto e direção de Márcio Libar. Com Vitor Peres, Lázaro Menezes e Bernardo Mendes. Teatro Planetário da Gávea/Maria Clara Machado. Sábado e segunda, 21h. Domingo, 20h.

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