quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A claque

Virginia Valli


A claque é uma instituição tão estável que, quando se pensa que desapareceu, ressurge vitoriosa sob novas vestes: agora há a claque da televisão, que não precisa ter profissionais pagos como antigamente. Basta uma gravação de estrondosas palmas e gargalhadas para fazer crer ao tele-ouvinte que as piadas de nossos engraçadíssimos cômicos televisivos são mesmo engraçadíssimas. Os mais ingênuos chegam a supor que o auditório (que às vezes nem existe, pois tudo se passa em um acanhado estúdio) está repleto de fãs e fanzocas que aplaudem delirantemente o ídolo.

Como toda instituição gagá, a claque é uma instituição que resiste aos maiores esforços extirpatórios, pois suas raízes estão não só em hábitos seculares, maus por sinal, como na própria consciência das pessoas. Segundo Renzo Massarani, o diretor do Teatro Stabile de Gênova tentou dar um golpe mortal nos profissionais da claque retirando-lhes os ingressos gratuitos.

A razão da claque deve estar numa espécie de rivalidade e luta entre concorrentes de uma mesmo ramo dramático ou lírico que, por esse meio, tentariam retirar os fãs do adversário, fazendo crer através das palmas e gargalhadas que ele é mesmo o maior. E todo ator inseguro ou principiante, e vaidoso ainda por cima, deve ser um fator de claque, pois enche o teatro com parentes e amigos pedindo-lhes aplausos e outras manifestações de apoio à sua performance. São as ditas panelinhas que não são apenas de teatro, mas de todas as outras manifestações artísticas. Recursos ilícitos a que recorrem artistas desonestos e sem platéia que desejam fazer nome a qualquer preço.

A claque é uma verdadeira praga que vicia não só o ator como o público, pois as pessoas já riem, às vezes, à simples entrada ou esboço de gesto do cômico que se acostumou a pensar que é engraçado mesmo. Suas graças, porém, já são cacoetes rançosos, piadas da geração do balança-mas-não-cai e as platéias - ainda bem que se renovaram - não chegam a entender nada. O vazio se faz, então, em torno desses geniais cômicos da claque paga.

Plauto já denunciava a existência desses profissionais parasitas do teatro, chamados fautores. Fautor - segundo o dicionário - é aquele que favorece, promove ou determina. Quer dizer que as próprias empresas promotoras de espetáculos se tornam claques organizadas comercialmente, registradas e pagando impostos. Muitas vezes, os produtores, em seus anúncios nos jornais na seção de teatro, louvam prodigamente determinado espetáculo que todos viram e acharam uma bomba. E quando a peça passa de uma praça para outra, do Rio para São Paulo, por exemplo, acontece o pior. Lê-se o seguinte nos diários locais: "Tal peça...o maior sucesso de gargalhada do Rio de Janeiro no corrente ano".

É resignar-se...Os fautores são uma organização, e aquele que não pode pagar o seu preço faz um sucesso limitado em seus trabalho, pois não pode anunciar aos quatro ventos as mil e tantas gargalhadas da platéia. Segundo alguns autores, o próprio Nero contava com cinco mil fautores ou propagandistas das delícias de sua Roma, profissionais estes preparados tecnicamente por professores contratados em Alexandria.

Na Idade Média, as Sacras Representações, produtoras de espetáculos edificantes e moralistas, pagavam seus profissionais claqueurs em comida e bebidas. Molière, que fazia sucesso por si, sem necessitar de claque, não apreciava a classe...

Na Inglaterra, eles existiam e tinham as palmas das mãos duras feito pau. Dizem...E na Espanha, eram chamados mosqueteiros, pois seus aplausos soavam como tiros de mosquete.

Mas o apogeu da claque aconteceu na Itália. Nos aluguéis dos teatros estava incluída uma taxa adicional para os garzoni que ajudavam ruidosamente no sucesso de alguma empreitada, e esses profissionais adquiriram tal prestígio e poder que interrompiam espetáculos que não fossem aplaudidos por eles. Chegavam a dar palpites quanto à escolha do repertório lírico de alguns teatros.

Na França, a claque se desenvolveu a ponto de comportar diversas especializações: bisseurs (que pediam bis), pleureurs (que choravam), pateadores e outras, a tabela de preços variando conforme os tipos de claque pedidos pelo autor.

Também o Carnegie Hall, de Nova York, tem sua claque, paga em dólares conforme a vedete. Eddie Barclay teria pago milhares de dólares pelos aplausos da claque a Aznavour.

Por tudo isso - perdão! - concluímos que a claque não é uma instituição gagá, como pensávamos ao iniciar esta pesquisa. Viva a claque!
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 59/1973, edição já esgotada.

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