terça-feira, 4 de agosto de 2009

Tommaso Salvini
(1829-1915)

T. Cole e H. K. Chinoy


Natural de Milão, Salvini era filho de atores. Fez sua estréia aos 14 anos, interpretando Pasquino na peça Donne curiose, de Goldoni. Depois, estudou com Gustavo Modena e, em 1947, era um membro importante da companhia de Ristori. Sua carreira foi marcada por uma série ininterrupta de sucessos. Apresentou-se muitas vezes na Inglaterra e fez cinco viagens à América. Em 1866, em sua quarta turnê, interpretou Othelo, contracenando com Edwin Booth no papel de Iago. Salvini abandonou o palco em 1890, mas em janeiro de 1902, em Roma, participou de uma peça de comemoração ao octagésimo aniversário de Ristori.

Como ator, Salvini deu um sabor inteligente ao estilo grandioso, mas sua característica marcante era um fogo interior que comovia, com igual intensidade, seus companheiros de palco e a platéia. Stanislavski foi assisti-lo diversas vezes em sua turnê na Rússia e achou sua técnica inspiradora. O papel mais importante de Salvini foi Othelo, no qual ficou famoso por ter apavorado sua Desdêmona com a violência de seu ataque na cena o assassinato. Henry James escreveu sobre o Othelo de Salvini:

Para muitos espectadores pode parecer que a interpretação de Salvini é muito simples, baseada em dois ou três aspectos: ternura sincera, suspeita sagaz e ira passional. As variedades de opiniões são infinitas: já ouvi classificarem sua atuação como horrível, repugnante, animalesca. Descartando temporariamente essas considerações, que impressão forte - simplesmente enquanto impressão - o ator provoca no espectador que o assiste pela primeira vez no papel de Moor com seu turbante e sua voz grave! Ele nos revela sua grandeza como homem; ele nos familiariza com a exuberância da perfeita confiança depositada nos recursos físicos do ator. Seu porte másculo, vigoroso, ativo, seu rosto nobre, sério, extremamente expressivo, seu sorriso esplêndido, seus olhos italianos, sua voz soberba, volumosa, suas maneiras, seu estilo, seu desembaraço, a segurança que ele passa imediatamente de que tem em suas mãos o controle total do papel e de que é capaz de fazer aguilo que bem desejar; tudo isto atinge o espectador com uma riqueza que logo transforma atenção em confiança e expectativa em aprovação. Ele é uma criatura esplêndida e você já está do seu lado. Seu temperamento generoso é contagiante; o espectador acaba olhando para ele não como um ator, e sim como um herói.

A seguir algumas das idéias de Salvini sobre os problemas do teatro, extraídas de escritos deixados por ele.


IMPULSO E CONTROLE

Tommaso Salvini


Ao me familiarizar com grandes escritores, criei um conjunto de informações que foram de grande ajuda para mim no decorrer de minha carreira. Fiz comparações entre os heróis da Grécia Antiga e os heróis celtas; comparei os grandes homens de Roma com os da Idade Média; e estudei suas personalidades, paixões, maneiras, tendências, de modo que, quando tinha que representar um destes tipos, podia estudá-lo em seu ambiente natural! Procurava viver com meu personagem e, depois, representá-lo como minha imaginação o concebia. Cabe ao público avaliar se minhas interpretações foram corretas.

Não há dúvida de que para que se consiga qualquer coisa em arte é preciso muita disciplina, estudo incansável, observação contínua e, acima de tudo, uma aptidão natural. Todavia, muitos artistas que têm talento, cultura e perseverança, algumas vezes não alcançam os seus ideais. Pode ser que lhes falte as qualidads físicas exigidas pelo papel, ou que a voz não consiga alcançar certas modulações, ou que a personalidade seja incompatível com o personagem representado.

Não imaginava, naquela época, a grande ajuda que era estar constantemente cercado por artistas de primeira linha. Observava, frequentemente, nas companhias menores que representavam em teatros de segunda categoria, homens e mulheres jovens que apresentavam uma aptidão artística notável, mas que, por falta de aperfeiçoamento e orientação, caíam na extravagância, na ênfase demasiada e no exagero.

Até então, se por um lado eu conseguia avaliar com clareza as causas dos defeitos dos outros, por outro, não sabia como corrigir os meus próprios; além disso, eu achava que o aplauso dirigido a mim tinha mais a intenção de me incentivar do que o de ser um tributo que eu merecesse. Por sorte, eu tinha consciência e bom senso suficientes para receber esta deferência no seu valor exato. Senti a necessidade de estudar, não apenas livros, mas homens e objetos, vícios e virtudes, amor e ódio, humildade e arrogância, bondade e crueldade, insensatez e sabedoria, pobreza e opulência, avareza e desperdício, resignação e vingança; em suma, todas as paixões do bem e do mal, que têm origem na natureza humana.

Precisava estudar a maneira de reproduzir essas paixões de acordo com a raça dos homens em que elas se manifestavam; de acordo com os seus costumes específicos, princípios e educação; precisava formar uma concepção dos movimentos, dos modos, das expressões faciais e das vozes características de todos esses aspectos; precisava aprender, através da intuição, compreender os personagens da ficção e, através do estudo, a reproduzir os personagens históricos com aparência de verdade, procurando dar, a cada um, uma personalidade distinta.

Mais claramente, precisava tornar-me capaz de me identificar com um ou outro personagem de modo a que levasse a platéia a acreditar que a personagem real, e não uma cópia estava diante dela. Faltaria, então, aprender os mecanismos de minha arte, isto é, escolher os pontos salientes e trazê-los à tona, calcular os efeitos e mantê-los proporcionais ao desenvolvimento da trama, evitar uma entonação monótona e uma acentuação repetitiva, assegurar uma pronúncia clara e precisa, a respiração ritmada e a firmeza de estilo. Precisava estudar, estudar de novo, estudar sempre. Não era muito fácil colocar estes preceitos em prática. Muitas vezes, eu os esquecia, levado pelo entusiasmo, ou pela extrema abundância das minhas forças vocais; de fato, até atingir a idade de uma reflexão mais calma, nunca era capaz de ter o meu cronômetro artístico perfeitamente regulado; ele sempre ganhava alguns minutos a cada 24 horas.


ALGUMAS VISÕES SOBRE REPRESENTAÇÃO

Na minha quieta casa de campo em meio à floresta de Vallombrosa, chegaram até mim ecos da controvésia amigável que parece ter sido travada em revistas e jornais americanos e ingleses no que diz respeito aos princípios inerentes da arte a qual tenho dedicado toda a minha vida; uma controvérsia na qual se posicionavam em lados opostos dois eminentes atores: Henry Irving e M. Constant Coquelin. Estes ecos permaneceram em meus ouvidos até que, apesar de eu achar que um ator é, por via de regra, melhor aproveitado ao estudar palavras de outros do que empenhar-se em colocar frases própria no papel, aventurei-me a dar forma, o mais resumido possível, é claro, às minhas próprias opiniões sobre o ponto em discussão.

Este ponto, se eu o compreendi corretamente, reduz-se basicamente à simples questão: "O ator deve se sentir positivo e deixar-se comover pelas emoções que representa ou deve ser totalmente negativo e manter suas emoções à distância, de certo modo, e meramente fazer com que a platéia acredite que ele está comovido?"

Em primeiro lugar, irei expor francamente as minhas opiniões próprias, alertando os leitores, antes de tudo, que é apenas uma opinião (pois questões de arte nunca podem ser resolvidas definitivamente, assim como os problemas matemáticos), e, depois, poderei mais detalhadamente empenhar-me em mostrar porque sustento esta visão.

Acredito, assim, que cada grande ator deve estar, e é, comovido pela emoção que representa; que ele não só deve sentir essa emoção uma ou duas vezes, ou quando está estudando o papel, mas que deve senti-la em um grau maior ou menor - e só neste grau irá comover os corações de suas platéias - toda vez que representar o papel, seja uma ou mil vezes. Isto é o que acredito e sempre acreditei, e penso que deve-se reconhecer que a minha posição em relação ao ponto em questão não é duvidosa.

M. Coquelin, por outro lado, sustenta, se é que interpreto corretamente sua opinião expressa de forma adequada e eficaz, que o ator deve permanecer perfeitamente calmo e recolhido, não importando o quão violenta seja a paixão que representa; que ele deve apenas fingir, por assim dizer, que sente a emoção, que esforça-se em fazer com que a platéia acredite que realmente a sente; e que ele deve representar totalmente com o cérebro, não com o coração, para exemplificar assim, com órgãos fisiológicos, dois métodos completamente diferentes de trabalho artístico.

Que M. Coquelin acredite fielmente nesta teoria um tanto paradoxal e procure colocá-la em prática, não duvido em momento algum. Artista talentoso e vesátil, já me surpreendi mais de uma vez, ao ter o prazer de apreciar sua atuação, com o pensamento de que algo, no meio de toda essa habilidade estava faltando; e esta falta, visível, devia-se, no meu entender, ao fato de que um dos mais talentosos artistas do mundo estava deliberadamente tentando diminuir-se e também diminuir a arte que tinha em suas mãos para elevar a alturas grandiosas.

O ator que não sente a emoção que representa é apenas um mecânico habilidoso, colocando em movimento algumas rodas e molas que podem dar ao seu personagem uma aparência de vida que o observador sente vontade de exclamar: "Que maravilha! Se fosse de verdade me faria rie e chorar". Aquele que sente, ao contrário deste, e consegue comunicar seu sentimento à platéia, ouve a exclamação: "Isto é vida! Isto é realidade! Veja - eu rio! Eu choro!".

É, em uma palavra, a força do sentimento que marca o artista; todo o resto só é o lado mecânico comum a todas as artes. Há vários indivíduos nascidos atores que nunca enfrentaram uma platéia, assim como há muitos poetas que nunca escreveram um verso, e pintores que nunca seguraram uma paleta. A apenas alguns é dado a força de expressão, assim como a força do sentimento, e estes se tornam artistas aos olhos do mundo.

É neste ponto que mais me aproximo de M. Coquelin. "O ator", ele diz, "deve ter um autocontole, de modo que onde a criatura que ele representa queimaria, ele deve ficar frio como o gelo. Como um cientista insensível, ele deve dissecar cada nervo agitado e expor cada artéria latejante, todo o tempo mantendo-se como um dos deuses da Grécia Antiga, a fim de que um jorro quente de sangue não escape e estrague o seu trabalho".

Também digo que o ator deve ter o dom da impassibilidade, mas apenas até certo ponto. Ele deve sentir, mas deve orientar e controlar seus sentimentos como um cavaleiro guia e controla um cavalo bravio, pois tem um papel duplo a representar: apenas sentir a si próprio não é suficiente; tem que fazer os outros sentirem, e isto ele não conseguirá fazer sem o exercício do controle. Darei um exemplo que o próprio M. Coquelin me forneceu.

Uma vez, afirma, ele estava muito cansado antes de entrar em cena e, dormindo enquanto fingia dormir, roncou verdadeiros roncos ao invés de falsos. O resultado foi, ele nos diz, que nunca roncou tão mal. Naturalmente, uma vez que perdeu o controle da rédea de seus sentimentos, por estar dormindo, que, assim, lhe escapou e o levou nem sabe para onde; mas se em algum momento de sua experiência M. Coquelin tivesse derramado lágrimas reais, ao mesmo tempo em que tinha pleno poder de suas habilidades, e se tivesse sido capaz de orientar estas lágrimas para o canal que o seu senso artístico lhe mostrasse como certo, então não ouviríamos a platéia dizer que aquelas lágrimas verdadeiras eram menos eficazes que as lágrimas totalmente simuladas, produto do intelecto ao invés do sentimento...
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O presente artigo, aqui resumido, foi extraído de Actors on Acting, editado por T. Cole e H. K. Chinoy, Crown Pub. Inc, N, Y, 1970, e consta da revista Cadernos de Teatro nº 133/1993, edição já esgotada. . A tradução foi feita por Andrea Moreira e Silva. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio.

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