segunda-feira, 30 de março de 2009

Ritual de passagem

Eliana Helsinger


Não sei quando foi escrita "Avenida Q.", mas o que importa é que as questões abordadas são, do meu ponto de vista, cruciais para compreendermos como esse ritual de passagem da adolescência para o mundo adulto, neste século XXI, tem sido tão doloroso para os nossos jovens. Ao mesmo tempo em que ser jovem nunca foi tão glamuroso em termos de imagem (corpos sarados), foi deletado aquilo que ele mais precisa para se tornar um adulto: como mostra muito bem a peça, os jovens não sabem o rumo que querem dar às suas vidas. Eles saem do HIGH SCHOOL sem nenhuma garantia de que um curso universitário vai permitir que tenham um trabalho onde possam, efetivamente, ter uma carreira bem sucedida.
Desiludidos, desempregados e, pior, sem terem conseguido responder às questões fundamentais que lhes dariam os alicerces para escutar seus desejos singulares e então traçar o rumo singular e intransferível para suas vidas, eles repetem em coro: A VIDA É UMA MERDA!. Sem respostas sobre o que é o amor, o sexo e a escolha sexual - hétero, homo ou bi, sendo esta escolha impregnada de preconceitos -, eles vivem numa "sociedade do espetáculo" aonde só existem duas palavras: WINNER or LOOSER. Em nossa clínica diária, atendemos a muitos jovens de 20 anos melancólicos e que só possuem uma "certeza": sou um fracassado, fracassei em tudo.
No entanto, no final da peça os personagens dizem, da forma mais otimista, "tudo vai passar". Isso me remeteu a uma frase de Isadora Duncan em sua biografia: "Por que demora tanto a passar essa inquietação desesperada que sinto?".
Em resumo: além de ter adorado o espetáculo tanto em termos formais como de conteúdo, acho-o ainda mais pertinente à medida que pode servir como um alerta para que as escolas, os pais e a mídia cultivem menos a beleza e a grana, e dêem aos jovens ferramentas para que esse ritual de passagem da adolescência para a vida adulta, tão necessário e bacana, possa ser feito como deve ser feito: para valer e o mais possível isento de dor.
(Eliana Helsinger é psicanalista)

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