quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Meyerhold:
idéias e reflexões


Ator e diretor russo, Vsevolod Meyerhold (1874-1942) entrou para a história do teatro sobretudo por ter concebido uma nova nova, revolucionária e polêmica forma de encenação, que batizou de Construtivismo. Este consistia, basicamente, na negação de toda tendência figurativa, no emprego de materiais em estado bruto e na busca de uma arte antiestética, utilitária, em consonância com o pensamento e o ideal dos operários.
O presente artigo exibe fragmentos do livro O teatro de Meyerhold (tradução, apresentação e organização de Aldomar Conrado. Editora Civilização Brasileira, 1969; coleção Teatro de Hoje, direção de Dias Gomes)

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Perfeição
É obtida quando o “por que” e o “como” coincidem.

O bom ator
Diferencia-se do mau porque no sábado não interpreta do mesmo modo que no domingo.

Briga na rua
Quando me deparo com uma briga na rua sempre paro para ver o que se passa. Nela e nos acontecimentos na rua podemos descobrir os gestos humanos mais variados e recônditos.

Espelho
O ator deve possuir a virtude de ver-se mentalmente como num espelho. Em forma embrionária, todos possuem esta propriedade. Mas no ator isto deve ser desenvolvido.

Música no circo
Vocês já pensaram por que tocam sempre música nos números acrobáticos do circo? Se me responderem que é para manter um ar de festa, deram-me uma resposta superficial. Os artistas de circo necessitam da música como apoio rítmico, como ajuda para calcular o tempo. Seu trabalho baseia-se num cálculo sutilíssimo e o menor desvio pode conduzir a uma catástrofe. Apoiado numa música bem conhecida, o cálculo é infalível. Mas se a orquestra tocasse, de repente, uma música à qual o acrobata não estivesse acostumado, isso ocasionaria sua morte.

Improviso
O ator só é capaz de improvisar quando se sentir alegre interiormente. Fora da atmosfera da alegria criadora, do júbilo artístico, o ator não se descobre nunca em toda a sua plenitude.

Irritação
A irritação do diretor paralisa imediatamente o ator, é tão inadmissível como o silêncio. Quem não for capaz de sentir o olhar inquieto do ator não é, na realidade, um diretor.

Encanto
No Teatro Madeleine, em Paris, fiquei encantado com um ator e fui até o seu camarim. Imaginem que, depois do espetáculo, por sinal complicadíssimo, ao invés de estar descansando ele ensaiava uma cena que não lhe parecera boa!?. Não era obrigado a isto; mas sentia a necessidade interior de fazê-lo. Entre nós anda debilitada a inquietação profissional, deixamo-nos levar, não nos entusiasmamos com as representações nem com os ensaios e vamos para eles com inércia, para não usar uma palavra mais dura. Considero que nas nossas companhias a apatia é o inimigo número um.

Estréia
O trabalho do ator, em sua substância, começa depois da estréia. Eu afirmo que, no dia da estréia, o espetáculo ainda não está pronto. Salvini afirmava que só compreendera Othelo depois de 200 representações.Acho que os críticos só devem nos julgar depois de 20 representações. Só então os personagens encontrarão nos atores as ressonâncias que exigem.

Dostoiévski
Um dramaturgo inato. Em suas novelas transluzem fragmentos de tragédias a serem escritas.

Tchecov
Tinha o hábito de escutar seu interlocutor e rir, de repente, em momentos que nada tinham de cômicos. A pessoa, de início, estranhava. Somente depois compreendia que, ao mesmo tempo em que ouvia seu relato, Tchecov o transformava mentalmente, acentuava situações e completava-o extraindo as possibilidades humorísticas, gozando-as. Escutava, pensava e imaginava com mais rapidez que seus interlocutores. O trabalho paralelo de seu cérebro alimentava-se da conversa, porém tornava-a muito mais impetuosa e convincente.

Críticos
Para eles seria encantador que a maturação do artista se produzisse numa espécie de laboratório, com as cortinas cerradas e as portas trancadas. Porém, crescemos, amadurecemos, buscamos, enganamo-nos e encontramo-nos diante dos olhos de todos e em colaboração com o espectador. Aos chefes militares mostra-se o sangue derramado no campo de batalha. Mas o artista mostra seu próprio sangue...Além do mais, o que é um equívoco? Do equívoco de hoje nasce, às vezes, o êxito de amanhã.

Decisões
Em minha vida tenho sentido, antes de cada novo sucesso, umas pausas trágicas, cheias de reflexões e dúvidas, chegando às vezes ao limiar do desespero. Somente duas decisões (e de enorme transcendência) adotei em minha vida sem vacilar. A primeira: recusei, ao terminar meus estudos, duas propostas lisonjeadoras e vantajosas de ricos diretores de teatro da província, para trabalhar, com pequeno salário, no Teatro de Arte de Moscou, que então se inaugurava. A segunda: lançar-me à Revolução quando percebi o significado de Outubro.

Árvores
Quando vocês vêem, no outono, uma árvore que perde as folhas, têm a impressão de que ela morreu. Porém, não é verdade; apenas prepara-se para o reflorescimento futuro. Não há árvores que floresçam todo o ano, nem artista que não atravesse momentos de crise, de queda, de dúvidas. Mas, que diriam vocês de um jardineiro que quisesse cortar, no outono, as árvores que perdem as folhas? Então não se pode tratar os artistas com a mesma paciência e carinho com que tratamos as árvores?

Aprendizado
Quando assisto a espetáculos montados pelos mais jovens dos meus alunos, noto que me perturbam as mudanças e as transições constantes. E me pergunto assustado: será possível que tenham ensaiado isto? Mas logo me tranquilizo: não! Isto é porque a juventude e a inexperiência fazem-lhes exagerar os meus defeitos, os quais assimilaram muito bem. E depois sinto o desejo de montar os espetáculos com mais calma e mais domínio. Desta maneira aprendo com meus alunos.

Oscar Wilde
Gosto dele, mas detesto as pessoas para as quais Oscar Wilde é o autor predileto.

Inexperiência
A inexperiência de um diretor se nota sobretudo na pouca preocupação em dar clareza à exposição da obra. Se não se faz a exposição com clareza absoluta, o espectador não compreenderá nada.

Fracasso
Sempre sei onde fracassei. Por exemplo, Pedido de casamento, de Tchecov, foi uma experiência que o espectador não aceitou, embora tivéssemos trabalhado nela com muito carinho. Mas avançamos os limites, fomos muito rebuscados e assim perdemos o humor.

Obrigação
O diretor tem obrigação de saber montar qualquer obra. Não pode parecer-se aos médicos que se especializam somente em enfermidades infantis, venéreas ou em otorrinolaringologia. O diretor que pretenda montar somente tragédias, sem saber montar comédias ou esquetes, fracassará irremediavelmente, porque na verdadeira arte sempre estão emparelhados o alto e o baixo, o triste e o cômico, o luminoso e o obscuro.

Associações
Procurem inspirar as associações de idéias. Trabalhem com elas. No teatro, eu não faço mais do que me aproximar da compreensão da enorme força que têm as associações de imagens. Aqui há um tesouro infinito de possibilidades.

Pressa
O espectador que tem pressa é inimigo do teatro. Os remédios amargos nós os tomamos de um só gole, mas em troca saboreamos lentamente um prato bem preparado. É claro que não se deve abusar da paciência do espectador, mas tampouco deve-se satisfazer ao que tem pressa. Se o teatro não pode obrigar o espectador a esquecer que tem pressa, terá esse teatro o direito de existir?

Postura
Estou convencido de que o ator, ao adotar uma postura física acertada, pronuncia bem o texto. Mas a eleição de um plano acertado é um ato consciente, um ato do pensamento criador. Pode haver planos errôneos, aproximativos, fortuitos, exatos etc. A gama para eleger-se é imensa. Mas, da mesma maneira que o escritor busca a palavra exata, eu também busco o plano mais exato.

Caçadores
Os críticos que me visaram pouco me atingiram. E não porque fossem poucos os caçadores que dispararam, mas porque sou um alvo que se move muito depressa.

Individualidade
O que o ator tem de mais precioso é a sua individualidade. É preciso que ela brilhe através de cada uma de suas encarnações, por mais hábeis que sejam. Houve um ator chamado Petróvski que possuía uma espantosa técnica de metamorfose. Mas como não possuía personalidade, nunca se transformou num grande ator.

Equívoco
Só os maus diretores acreditam que as peças de Ibsen são calmas. Leiam com atenção e verão que são tão movimentadas quanto as montanhas russas.

Vaudeville
Não admite personagens desagradáveis. Mesmo o vilão tem um certo encanto. É uma lei do gênero.

Grotesco
A noção do “grotesco” não tem nada de misteriosa. Trata-se simplesmente de um estilo cênico que joga com contrastes e não cessa de deslocar os planos de percepção. O nariz, de Gogol, por exemplo. Não pode haver, em arte, métodos proibidos; existem somente métodos mal empregados.

Artista
A vida de todo artista autêntico é sempre a de um homem constantemente dilacerado pela insatisfação. Somente os amadores estão sempre satisfeitos e não se atormentam. A vida de um artista tem a alegria de um só dia, quando ele coloca a última pincelada na tela, e tem a dor de muitos outros dias, quando percebe seus erros.

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