domingo, 11 de janeiro de 2009

Fragmento de um discurso insano
de Lionel Fischer


Os assassinos vasculham os becos. Colam-se às paredes das esquinas à espera de possíveis vítimas. Os policiais sentem cheiro de sangue, que os desperta de seu tédio e os lança à ronda. E nada mais importa. Todos cedem seus lugares para que o estranho espetáculo se consume. Do outro lado do muro, gêmeos vitelinos se olham cheios de medo e ódio. E se ameaçam com alfinetes de prata. As senhoras dormem abraçadas a seus maridos à espera de que sonhos as libertem. E as mocinhas se masturbam com seus cães de caça. E meus olhos brilham e enchem de luz essa cidade morta. Esses caminhos gastos que desconhecidos percorrem arrastando suas próprias vidas. E que conduzem a nada. Um vagabundo demente, bêbado e miserável conta sua história. Se confessa inocente dos crimes imputados e faz escárnio dos homens. Nesse momento, as almas sujeitas à humilhação constante, os pequenos homens indefesos, dançam uma dança lenta e irreal. E cantam músicas que pouca gente conhece. É a hora em que os murmúrios se insinuam pelos cantos. Pelas escadarias de cobre. Pelas consciências adormecidas. Intactas. Na noite ainda e por um breve instante, ele sorriu de frio e se encolheu de nojo. Rodou as quadras e quebrou as lâmpadas. Promoveu tumultos e insultou os donos. E já de manhãzinha ele caiu de quatro. E se sentiu só. Para que a platéia risse e cuspisse de prazer na nuca dos vizinhos. Para que gengivas se arreganhassem e descobrissem dentes verdes, cheios de limo. E no final de tudo, nada além de um rosto de vidro que se debruça sobre as folhas. E se estende, exausto, em seu leito de improviso. E chora de raiva diante de todo esse engano. Mas um dia, o animal feroz, encurralado, se libertará. Não para uma caminhada tranqüila, mas rumo à autodestruição. Numa revolta breve e inconseqüente, que não servirá de modelo ou ganhará adeptos. Mas que nos dará paz. Ao menos isso...Paz.

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